terça-feira, 19 de março de 2013

Considerações sobre Hitchcock, o filme e o cineasta

Fui assistir "Hitchcock" e o filme é, no geral, uma decepção. Anthony Hopkns está caricato soterrado por uma maquiagem paralisante, Helen Mirren é competente como sempre como Alma Reville, Scarlett Johansson não se parece muito com Janet Leigh (a não ser entre o pescoço e o umbigo) e Jessica Biel não tem muito o que fazer como Vera Miles. James D'Arcy ("O Mestre dos Mares"), por outro lado, está igualzinho a Anthony Perkins, mas é pouco aproveitado na trama. Por que dar a um diretor estreante uma história desses com um elenco que tem ainda Tony Colette, o habitual vilão Danny Huston como suposto interesse romântico de Alma e o ex-Karate Kid Ralph Macchio numa ponta como o roteirista oficial de "Psicose"? O tal Sacha Gervasi desperdiça o que Geotge C. Scott, na pele do general George S. Patton, chamaria de uma "bela infantaria".
Aparentemente o roteiro aplaina os conflitos do livro original de Stephen Rebello e a direção se encarrega de transformá-los em um monte de anedotas. Sacadas boas da abertura e do final, remetendo ao programa de TV que Hitchcock apresentava e que ajudou a popularizar sua rotunda figura ainda mais, mas as "conversas" do cineasta com Ed Gein, serial killer que inspirou tanto Norman Bates quanto o Leatherface de "O Massacre da Serra Elétrica", são psicanálise de botequim, como o trabalho anterior do roteirista  John J. McLaughlin, "Cisne Negro".
Em 1959, quando a história começa, durante a pré-estréia de um dos maiores sucessos do Mestre do Suspense, "Intriga Internacional", Alfred Hitchcock era festejado como grande entertainer, mas não respeitado como cineasta. Os grande diretores eram William Wyller, John Ford, Fred Zinneman, George Stevens e por aí vai. Só quando os princípios dos Cahiers de Cinèma se popularizaram nos EUA é que Hitchcock passou a ser visto com outros olhos, mas aí, sua carreira já estava no ocaso. A despeito de "Os Pássaros" e "Frenesi" serem grandes trabalhos, ele nunca mais teve um sucesso como "Psicose" ou "Intriga Internacional". Mas, num lance de genialidade de marketing, ele impos em testamento que cinco dos filmes de que ele tinha controle sobre as cópias fossem proibidos de serem exibidos em qualquer meio, sendo liberados apenas no cinema anos após sua morte. Quando "Um Corpo que Cai", "Janela Indiscreta", "Festim Diabólico", "O Homem que Sabia Demais" e "O Terceiro Tiro" foram relançados nos anos 1980, uma nova geração pode constatar o quanto o cinema americano devia ao grande mestre. Não eram apenas as emulações de Brian de Palma ou a série James Bond - como o filme "Hitchcock" frisa - que devem ao autor de "Rebecca" (seu único filme a ganhar o Oscar), mas todo o cinema de ação e suspense Made in Hollywood.
"Psicose" sozinho quebrou uma série de tabus, como o "gore" até então restrito a filmes exibidos em cinemas baratos, a insinuação de nudez e morte nos primeiros rolos da personagem de uma estrela como Janet Leigh. Sem dúvida foi um dos primeiros passos rumo ao fim do Código Hays, que desde os ano 30 decidia o que era adequado para ser exibido nos cinemas "de família" americanos. É dificil ao público acostumado a "Jogos Mortais" imaginar o impacto causado por "Psicose" em 1960. "Hitchcock" até tenta, na cena em que o cineasta acompanha do lado de fora da sala de exibição os gritos da platéia durante a evisceração de Marion Crane. É interessante que o roteiro destaque que Janet Leigh, na época famosa como heroína romântica, e na maioria das vezes virginal, de épicos, faroestes e comédias, talvez só tenha aceitado fazer o papel depois de filmar "A Marca da Maldade" com Orson Welles. Por outro lado, por já ter feito uma obra-prima com um grande diretor, Hitchcock excepcionalmente a tenha tratado tão bem.
Ao final do filme de Sacha Gervasi, vemos Alfred e Alma reconciliados, com ele aparentemente livre das obsessões com suas estrelas. Nada mais enganador. Outro trabalho recente sobre o diretor inglês, "The Girl", telefilme da HBO, aborda justamente o momento logo após "Psicose", quando ele começa a idealizar "Os pássaros" e contrata a jovem Tippi Hedren. Hitchock é interpretado por Toby Jones, Tippi por Sienna Miller e Alma por Imelda Stauton. Em termos de phisyqye du role, o elenco aqui é melhor escalado: Hitchcok e Alma não eram tão charmosos como Hopkins e Helen Mirren, mas próximos dos baixinhos e feiosos Jones e Stauton, e Tippi era uma beleza gelada e distante como a própria Sienna. O pobre Toby Jones, por sinal, pela segunda vez na carreira ve uma interpretação sua de um personagem real ser ofuscado por outro trabalho na mesma época. Em 2006, sua ótima personificação de Truman Capote em "Confidencial" foi eclipsada pela atuação oscarizada de Philip Seymour Hoffmann no ano anterior, e agora, seu Hitchock tem que concorrer com o consagrado Anthony Hopkins. Não é fácil.