terça-feira, 14 de outubro de 2008

Voyerismo

O recente discurso de Pedro Cardoso contra a exploração da nudez repercutiu bastante no meio artístico, recebendo solidariedade dos atores e repúdio do cineastas. O engraçado é que Pedro não é exatamente o tipo de ator que as moças - e alguns moços - anseiam em ver nu em cena. Na verdade, sua bronca se origina no fato de sua namorada, Graziela Moretto, ter feito uma cena pelada no longa de estréia de Selton Mello, "Feliz Natal".
"Até quando, nós, atores, atenderemos ao voyeurismo e a disfunção sexual de diretores e roteiristas, que nos impingem essas cenas macabras?", disse Pedro. Bom, sinto informar a ele, um ator com mais de 20 anos de carreira, que está na profissão errada. A opinião não é minha, mas de Luchino Visconti, dita a Florinda Bolkan, quando a atriz baiana disse ter vergonha de tirar a roupa em "Os Deuses Malditos". "Seu corpo é meu instrumento de trabalho. Se você tem vergonha de ficar nua está na profissão errada", teria dito o mestre italiano.

Há muito voyerismo no cinema, principalmente da parte do público.Grandes diretores sabem disso e compartilham essa perversão, como Alfred Hitchcock, o mestre do voyerismo. A pudica Malu Mader - que segundo a lenda teria recusado a quantia de um milhão de reais para posar para a Playboy - conta que em seus primeiros filmes aparecia pelada em todos. Nenhum deles é uma obra-prima, mas pelo menos dois "Dedé Mamata" e "Feliz Ano Velho" - são interessantes e nudez de Malu, necessária à trama. Mas é óbvio que diretores e produtores buscavam também satisfazer o público masculino que havia se apaixonado pela atriz nas novelas globais e queriam ver um pouco mais dela que o permitido na TV.

Tem ainda a questão da cultura brasileira. Muita gente se queixa que filme nacional só tem palavrão e mulher pelada - o que foi verdade durante anos - mas é uma característica do nosso cinema. Nossa maior estrela - Sônia Braga - notabilizou-se internacionalmente por suas tórridas atuações em "Dona Flor e seus Dois Maridos" (até hoje, o maior público registrado do cinema tupiniquim), "Eu te Amo" e "A Dama do Lotação". Para quem não lembra, Sônia era a professorinha de Vila Sésamo antes de se tornar o tesão nacional na novela "Gabriela", rompendo de certa forma com a dicotomia namoradinha x puta que remete à cultura casa grande x senzala. Nas chanchadas da Atlântida, a estrela era sempre a virginal Eliana, mas a molecada e os marmanjos babavam era por Fada Santoro, Elvira Pagã, Virginia Lane e Norma Bengel, que eram as vilãs ou destruidoras de lares. Sônia chegou a protagonizar uma versão de "A Moreninha" antes de virar o vulcão sexual do cinema nacional. Virou estrela de Hollywood.

Enfim,tirar a roupa em cena pode não dar prêmio de interpretação pra ninguém, mas abriu as portas para atrizes que demonstraram talento mais tarde, como a própria Sônia, Vera Fischer, Cristiane Torloni, Carla Camuratti e tantas outras. E se por um lado tem exploradores da libido alheia como Nevile de Almeida, por outro há artistas que exploram a nudez de forma poética e artística, como Walter Lima Jr.(com Fernanda Torres em "Inocência"), Fernando Meirelles (Rachel Weisz em "O Jardineiro Fiel"), Karin Ainouz (Hermila Guedes em "O Céu de Suley") e tantos outros.

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