Hoje acontece o jantar de comemoração dos 50 anos da Lui
Cinematográfica, empresa que administra os Multiplex Topazio de Indaiatuba.
Além da amizade e parceria que me liga pessoalmente à família Lui por duas
décadas, devo ao velho Cine Alvorada, onde a história da empresa começou, muito
da minha cultura cinematográfica.
Como quase todo mundo da minha geração, estudei no Grupo
Escolar Randolfo Moreira Fernandes, que ficava na Praça D. Pedro II, em frente
ao Alvorada. Antes ou depois das aulas, costumávamos ir até a porta do cinema –
que fica onde é hoje o Magazine Luiza – e olhar pelo vidro quais seriam as
próximas atrações. A nós praticamente só restavam as matinês de sábado e domingo,
porque a censura etária na época era bem mais rigorosa que hoje. Era o início
da Era de Ouro dos Trapalhões no cinema, que começou com “Robin Hood, O Trapalhão
da Floresta”, de 1974. A partir daí, até 1991 com “Os Trapalhões e árvore da
Juventude”, Renato Aragão estrelaria pelo menos um filme por ano, sempre
liderando as bilheterias.
Na época, durante a semana, aconteciam sessões patrocinadas,
em geral com produções voltadas às donas de casa, como “Dio como ti amo” e às
quartas havia a sessão dupla dedicada à colônia japonesa (em geral, um longa
lacrimogêneo e um de yakuzá). Na Semana Santa era quase obrigatória a exibição
de “Paixão de Cristo”, uma versão antiga da vida de Jesus em que seu rosto
nunca aparecia, e “Os 10 Mandamentos”, o clássico de Cecil B. De Mille com
Charlton Heston. Por outro lado, foi no Alvorada que vi meu primeiro filme
proibido, uma pornochanchada italiana estrelada por Edwige Fenech, starlet
francesa especializada em exbir seu belo corpo em produções B. Não vi na época, mas lembro da fila de dar volta no quarteirão para ver a sex symbol tupiniquim da época, Sonia Braga, em "Dona Flor e seus Dois Maridos", maior público oficial do cinema nacional até "Tropa de Elite 2".
O problema da distribuição na época é que os grande
lançamentos demoravam horrores para chegar até as salas do interior. “Tubarão”
(1975), por exemlo, levou mais de um ano para ser exibido em Indaiatuba (quando
chegou, tenho quase certeza que faltavam alguns dentes na cópia). Quanta
diferença com os lançamentos mundiais simultâneos de hoje em dia. Em
compensação, em tempos pré-home vídeo, as cópias circulavam por anos,
principalmente as que estavam fora do controle das multinacionais, o que
permitiu a sobrevivência dos cineclubes.
Por esse motivo, quando fui fazer o colégio em Campinas, um
novo mundo se abriu para mim. Filmes como “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, de
Stanley Kubrick, visto no Teatro Castro Mendes; e “Manhattan”, de Woody Allen, assistido
no Cine Regente, me levaram a descobrir o chamado Cinema de Arte.
Mas mesmo quando me tornei adulto, o Alvorada ainda me
proporcionou grandes momentos, como “Apocalipse Now” em sua versão com a
destruição do templo nos letreiros
finais, que nunca mais seria vista nas versões posteriores; “Perdidos na Noite”,
relançado nos anos 80, creio que por causa da censura da Ditadura Militar;
entre outros.
A velha e enorme (mais de mil lugares!) sala da Praça D.
Pedro II fechou suas portas em 1989, com “Uma Cilada para Roger Rabitt”, e até
a inauguração do Cine Topázio no então Shopping Center Indaiatuba, em 1993, a
cidade ficaria sem um cinema. Muita gente cresceu tendo que ir até Campinas ou
recorrendo ao VHS para ver filmes.
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A família Lui reunida na inauguração do Topázio do Polo Shopping |
Nesse período começa minha relação com a família Lui. Em
1992, trabalhando no Votura, fui encarregado de fazer uma matéria sobre o
shopping que estava sendo construído no local do antigo Cotonifício. Meu
entrevistado era José Roberto Machado, que respondia pelo marketing do
empreendimento. Ele me mostrou a planta, apresentou as bandeiras que ancorariam
o mall (entre as quais Planet Music, Pakalolo, Sé Supermercados, Casa do Pão de
Queijo, Drogasil, únicas sobreviventes de então) e eu falei, tá tudo muito bem,
tá tudo muito bom, mas cadê o cinema? Pigarro. “Nós fizemos uma pesquisa que
mostrou que não havia a necessidade de um cinema no shopping”, disse. Do alto
de meus anos como programador do Cineclube Oscarito, de uma passagem pela Sala
da Cinemateca Brasileira, do meu trabalho como técnico de cinema na oficina
Cultural Oswald de Andrade e órfão do Cine Alvorada eu disse: “Como assim?
Indaiatuba não tem cinema desde 1989 e vocês acham que seu primeiro shopping
não precisa de um?”
Indignado, fui fazer outra matéria, dessa vez com Paulo
Antônio Lui, que herdara o Cine Alvorada do pai Guerino, que por sua vez tinha
sido sócio do ainda mais antigo Cine Rex, que como o Cine Paradiso do filme havia
virado estacionamento. Ele me explicou que até tentou viabilizar uma sala no
shopping, mas o preço que eles pediam era muito alto. Escrevi um texto
revoltado com a oportunidade que a cidade estava perdendo de voltar a ter uma
cinema, quando aconteceu uma reviravolta nos acontecimentos. O banco que iria
abrir uma agência no shopping desistiu, deixando um espaço bem na entrada da
Rua Humaitá. O “buraco” foi oferecido á família Lui, que topou retomar o
negócio do cinema. O projeto foi feito por um amigo do cineclubismo, Luiz Bacelar,
do Cineclube Barão, de Campinas, e surgiu o Topázio. O primeiro filme foi “O Último
Grande Herói”, com Arnold Schwarzenegger. Na pequena sala, Indaiatuba assistiu
grandes blockbusters como “O Rei Leão” e “Titanic”, participou de eventos
mundiais como o pré-lançamento de Star Wars – Episódio 1”, numa sessão à 00h01
e criou uma geração de cinéfilos. E o que se viu em relação ao shopping, que
ganhou o nome Jaraguá ao ser adquirido pelo ex-governador Orestes Quércia? O
Topázio é que virou a grande âncora do mall, tanto é que o grupo Sol Panambi
resolveu investir num mezzanino para abrigar o multiplex e quatro salas. Quando
o Polo Shopping veio, a Lui Cinematográfica era a escolha natural para
gerenciar as novas cinco salas. Hoje, Indaiatuba tem o mesmo número de salas
que tinha Campinas nos meus tempos de colégio.
Desde 2005, o Topázio abriga o Cineclube Indaiatuba, iniciativa
minha e do Antônio da Cunha Penna, que vinha peregrinando por diversos espaços
da cidade – sede da Sociedade Cantátimo, Colégio Monteiro Lobato, Livraria Vila
das Palmeiras – em mídia VHS e depois DVD. Ao invés de clássicos da Sétima
Arte, passamos a exibir lançamentos do segmento Arte, que de outro modo jamais
seriam exibidos aqui em tela grande. O bate-papo pós projeção são um plus, mas
o mais importante, para mim, é aos poucos criar um público mais exigente que
permita, no futuro, inserir filmes de qualidade na programação normal.
Em 50 anos, a Lui Cinematográfica viveu a passagem das
lâmpadas de carvão para as de xênon; do sistema de dois projetores para o rolo
único na horizontal e, finalmente, a projeção digital, talvez a maior revolução
na exibição cinematográfica desde os irmãos Lumière. O que se manteve nesses
meio século da Lui Cinematográfica é a conexão com seu público, o cuidado com
suas salas e com a qualidade da exibição. Parabéns a Paulo Antonio Lui e sua
família por manterem vivo o cinema em Indaiatuba.