terça-feira, 18 de junho de 2013

As mídias e a voz rouca das ruas

Repórter Jeans Raupp com microfone sem logo da Globo
Em 1984, a Campanha das Diretas avançava em todo o País e era solenemente ignorada pela Globo, que não queria desagradar o regime militar ainda no poder. O primeiro comício, que aconteceu em 25 de janeiro, foi anunciado nos telejornais da emissora como comemoração pelo aniversário de São Paulo. Só quando o movimento ficou tão grande que era impossível ignorar que ela começou a cobrir as manifestações e o povo recebia suas equipes ao brado de "O povo não é bobo, fora Rede Globo".
Um salto de 29 anos e a história se repete, desta vez, por causa dos interesses do conglomerado envolvendo a Copa das Confederações que está acontecendo agora e a Copa do Mundo no próximo ano. Não fica bem esses protestos ocorrerem quando estamos sendo vistos por todo o planeta, e querendo vender uma imagem de segurança e tranquilidade para 2014 e 2016. Em 1984, a Folha de S. Paulo acabou se tornando o órgão oficial das Diretas Já, o que ajudou-a a se tornar o mais importante jornal do País nos anos seguintes. Desta vez, como todos os grandes órgãos de imprensa aliados ao retrocesso, coube à Internet romper o truste da informação e fazer com que a poderosa emissora camufle seus profissionais com medo da hostilização.

Jovens vão às ruas contra Collor ao som de "Alegria, Alegria"
O outro lado das participação midiática nos movimentos de rua, são as obras de ficção que influenciam a participação política. A coincidência das passeatas pelo impeachment de Collor com a exibição na época da minissérie "Anos Rebeldes" é um exemplo. "Alegria, Alegria", de Caetanos Veloso, tema de abertura do programa, não era originalmente o hino de luta que virou na boca dos "caras-pintadas". Cássio Gabus Mendes como o guerrilheiro da ficção levou mais gente às ruas que Lindbergh Farias, apontado como líder dos manifestantes que posteriormente se tornou um político não muito melhor que o que ajudou a derrubar.

O herói Jean-Pierre, vivido Edson Celulari 
Embora nesse caso fosse fruto do acaso, esse tipo de experiência não era nova para a Globo, em termos propositais. Em 1989, a novela "Que rei sou eu?" fez um enorme sucesso, fazendo uma paródia do Brasil num reino de capa e espada chamado Avilan, governado por uma camarilha corrupta que assumiu o poder após a morte do rei benevolente. Eles eram combatidos pelo herdeiro bastardo do monarca, que agiu como um Robin Hood que no final assumia o poder bradando "Viva o Brasil". Se havia alguma dúvida que era a imagem que Fernando Collor de Mello tentava projetar em sua campanha presidencial, não restou nenhuma quando o folhetim foi reprisado na Sessão Aventura apenas um mês e uma semana após seu término, justamente na reta final da campanha eleitoral, entre 29 de outubro e 29 de dezembro de 1989, sendo que naquela época o primeiro turno era no dia 15 de novembro e o segundo, dia 17 de dezembro. Nunca na história desse País a Globo reprisou uma novela tão rapidamente.

Um dos "Guy Fawkes" na manifestação de Indaiatuba 
O cinema também tem influência nesses movimentos de rua. Até que ponto a apoteose nas barricadas de "Les Miserables" não se infiltrou no inconsciente dos jovens que estão indo às ruas? A própria máscara de Guy Fawkes, tornada símbolo do inconformismo desde Occupy Wall Street vem do filme "V de Vingança", de 2006, baseado numa graphic novel - muito superior - de 30 anos atrás.

sexta-feira, 14 de junho de 2013

Um pouco de história sobre os conflitos de rua nas capitais brasileiras

Duas coisas são importantes de serem destacadas nos recentes conflitos de rua. A primeira é que não houve articulação política para levar todos esses jovens às manifestações: os partidos políticos em geral foram pegos de surpresa, da mesma forma como aconteceu no quebra-quebra em São Paulo em 1983, e no Domingo Negro de 1992 que praticamente decidiu o destino do então presidente Fernando Collor de Mello. Ver jovens irem ás ruas lutar por seus direitos e tomando porrada da polícia  é um dejá vu alvissareiro, já que eu mesmo imaginava que a galera estava mais interessada em saber quando seria a próxima balada e de onde viria a grana para bancá-la. Nunca me senti tão feliz em estar equivocado.
A segunda é que todo mundo morre de medo de mexer na Máfia do Transporte Público, uma estrutura arcaica, ineficiente e poderosa. Pelo menos um prefeito petista, Celso Daniel, de Santo André, foi morto por causa de esquemas com empresas de ônibus. O outro assassinato,  de Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, de Campinas, teria como motivo sua tentativa de disciplinar o transporte alternativo pelas vans, na época um tormento do trânsito da cidade. Mexer com transporte urbano, portanto, é mexer num vespeiro.

Na aparência, a reivindicação que motivou os jovens a tomarem as ruas de São Paulo foi deter o aumento do preço da passagem de ônibus em R$0,20, mas na verdade essa foi a gota d'água que transbordou o copo, após sucessivas elevações do custo do transporte no bolso do usuário nas administrações anteriores. A voz das ruas fez ressurgir ainda a tese da Tarifa Zero, que originalmente nem estava na pauta dos manifestantes, proposta pelo governo de Luiza Erundina, mas que foi engavetada pela Câmara Municipal dominada pela oposição.

De cara, imprensa e autoridades se encarregaram de taxar a ideia de absurda, inviável e populista, sem discutir a sério o projeto original, criada por um engenheiro que estava longe de ser um maluco xiita. No anos 80, em meus tempos de USP, frequentei regularmente a casa de Lúcio Gregori, o secretário de Transportes de Erundina, e pai de uma de minhas melhores amigas, Márcia. Além de filar o almoço, usufruia de sua bela coleção de discos de jazz, que ele tocava ao piano também. Isso foi anos antes dele assumir a pasta de Transportes na primeira administração petista importante, mas Gregori estava longe de ser o militante fanático e idealista daqueles tempos. É sensato e até bem burgues, daí porque sua proposta não foi alicerçada sobre ideologia, mas sobre fatos e projeções.

Trazido de volta à ribalta pelos acontecimentos desta semana, ele deu a seguinte entrevista ao site .

Tarifa Zero é possível?

A ideia do transporte público gratuito é tão possível quanto a da escola pública gratuita, da saúde pública gratuita, da segurança pública, da coleta de lixo e de uma série de serviços que são pagos pelas prefeituras, com nossos impostos. O problema no Brasil é que o transporte público se tornou um negócio tão rentável e poderoso que é quase intocável.

Há exemplos de transporte gratuito em outros países?

Quando elaborei o projeto para São Paulo descobri que apenas nos Estados Unidos existem ao menos 35 cidades, todas elas com mais de 200 mil habitantes, que já adotavam o transporte inteiramente subsidiado antes de 1990.

Em Hasselt, cidade com mais de 400 mil habitantes, na Bélgica, o transporte gratuito foi adotado em 1994 e desde então houve um aumento de 1000% na demanda. Daí a prefeitura de lá deixou de investir em uma série de obras, como anéis rodoviários, túneis e viadutos e alocou esses recursos na expansão do transporte público. Em Talim, na Estônia, o transporte já tinha um subsídio de 70% e recentemente, depois de um plebiscito, a cidade adotou a tarifa zero.

E no Brasil?

Pelo menos três cidades brasileiras - Ivaiporã, no Paraná; Porto Real, no Rio de Janeiro e mais uma cidade de Minas Gerais, que não me ocorre agora - já adotaram a gratuidade do transporte. Em São Paulo, a cidade de Paulínia tinha tarifa zero até 1990.

Qual seria a tarifa justa?

O transporte deveria ser gratuito porque as pessoas saem de casa para trabalhar, estudar, enfim, para movimentar a máquina que gera riqueza e faz com que as cidades possam ser mantidas. O transporte é uma atividade econômica como qualquer outra, que tem seus custos, assim como a educação, a limpeza pública, a segurança. O grande peso, no caso dos ônibus, é o da mão de obra (60%). Além disso, tem que remunerar o capital do empresário. A questão central é "Quem paga por isso?".

Quem paga?

Em outros países, a maior parte é paga pelo poder público. No Brasil, o subsídio é baixíssimo, cerca de 12%, quando em outros países chega a 70%. Daí que o transporte coletivo é caríssimo frente ao transporte individual e isso explica o uso tão intenso de carros e motos nas cidades brasileiras.

Por que a proposta da tarifa zero não deu certo em São Paulo?

Na época, nós fizemos um estudo sobre os custos e propusemos um aumento nos impostos para subsidiar o transporte. Uma pesquisa realizada pela prefeitura em 1990 mostrou que a maior parte da população havia compreendido a proposta e estava de acordo. O problema é que a Câmara Municipal decidiu não discutir a proposta, apesar da aprovação da sociedade. Nas discussões, notamos que os vereadores das comissões que avaliaram o projeto somente discutiam os itens que eram de interesse das empresas do setor, o que revelou uma influência forte dos empresários de transporte dentro do Legislativo.

O que o senhor acha das manifestações contra o aumento da tarifa?

Elas são a expressão de uma disputa política. E como em toda disputa política, há alguns setores no governo, na imprensa, que vão fazer o jogo dos empresários.