sexta-feira, 14 de junho de 2013

Um pouco de história sobre os conflitos de rua nas capitais brasileiras

Duas coisas são importantes de serem destacadas nos recentes conflitos de rua. A primeira é que não houve articulação política para levar todos esses jovens às manifestações: os partidos políticos em geral foram pegos de surpresa, da mesma forma como aconteceu no quebra-quebra em São Paulo em 1983, e no Domingo Negro de 1992 que praticamente decidiu o destino do então presidente Fernando Collor de Mello. Ver jovens irem ás ruas lutar por seus direitos e tomando porrada da polícia  é um dejá vu alvissareiro, já que eu mesmo imaginava que a galera estava mais interessada em saber quando seria a próxima balada e de onde viria a grana para bancá-la. Nunca me senti tão feliz em estar equivocado.
A segunda é que todo mundo morre de medo de mexer na Máfia do Transporte Público, uma estrutura arcaica, ineficiente e poderosa. Pelo menos um prefeito petista, Celso Daniel, de Santo André, foi morto por causa de esquemas com empresas de ônibus. O outro assassinato,  de Antonio da Costa Santos, o Toninho do PT, de Campinas, teria como motivo sua tentativa de disciplinar o transporte alternativo pelas vans, na época um tormento do trânsito da cidade. Mexer com transporte urbano, portanto, é mexer num vespeiro.

Na aparência, a reivindicação que motivou os jovens a tomarem as ruas de São Paulo foi deter o aumento do preço da passagem de ônibus em R$0,20, mas na verdade essa foi a gota d'água que transbordou o copo, após sucessivas elevações do custo do transporte no bolso do usuário nas administrações anteriores. A voz das ruas fez ressurgir ainda a tese da Tarifa Zero, que originalmente nem estava na pauta dos manifestantes, proposta pelo governo de Luiza Erundina, mas que foi engavetada pela Câmara Municipal dominada pela oposição.

De cara, imprensa e autoridades se encarregaram de taxar a ideia de absurda, inviável e populista, sem discutir a sério o projeto original, criada por um engenheiro que estava longe de ser um maluco xiita. No anos 80, em meus tempos de USP, frequentei regularmente a casa de Lúcio Gregori, o secretário de Transportes de Erundina, e pai de uma de minhas melhores amigas, Márcia. Além de filar o almoço, usufruia de sua bela coleção de discos de jazz, que ele tocava ao piano também. Isso foi anos antes dele assumir a pasta de Transportes na primeira administração petista importante, mas Gregori estava longe de ser o militante fanático e idealista daqueles tempos. É sensato e até bem burgues, daí porque sua proposta não foi alicerçada sobre ideologia, mas sobre fatos e projeções.

Trazido de volta à ribalta pelos acontecimentos desta semana, ele deu a seguinte entrevista ao site .

Tarifa Zero é possível?

A ideia do transporte público gratuito é tão possível quanto a da escola pública gratuita, da saúde pública gratuita, da segurança pública, da coleta de lixo e de uma série de serviços que são pagos pelas prefeituras, com nossos impostos. O problema no Brasil é que o transporte público se tornou um negócio tão rentável e poderoso que é quase intocável.

Há exemplos de transporte gratuito em outros países?

Quando elaborei o projeto para São Paulo descobri que apenas nos Estados Unidos existem ao menos 35 cidades, todas elas com mais de 200 mil habitantes, que já adotavam o transporte inteiramente subsidiado antes de 1990.

Em Hasselt, cidade com mais de 400 mil habitantes, na Bélgica, o transporte gratuito foi adotado em 1994 e desde então houve um aumento de 1000% na demanda. Daí a prefeitura de lá deixou de investir em uma série de obras, como anéis rodoviários, túneis e viadutos e alocou esses recursos na expansão do transporte público. Em Talim, na Estônia, o transporte já tinha um subsídio de 70% e recentemente, depois de um plebiscito, a cidade adotou a tarifa zero.

E no Brasil?

Pelo menos três cidades brasileiras - Ivaiporã, no Paraná; Porto Real, no Rio de Janeiro e mais uma cidade de Minas Gerais, que não me ocorre agora - já adotaram a gratuidade do transporte. Em São Paulo, a cidade de Paulínia tinha tarifa zero até 1990.

Qual seria a tarifa justa?

O transporte deveria ser gratuito porque as pessoas saem de casa para trabalhar, estudar, enfim, para movimentar a máquina que gera riqueza e faz com que as cidades possam ser mantidas. O transporte é uma atividade econômica como qualquer outra, que tem seus custos, assim como a educação, a limpeza pública, a segurança. O grande peso, no caso dos ônibus, é o da mão de obra (60%). Além disso, tem que remunerar o capital do empresário. A questão central é "Quem paga por isso?".

Quem paga?

Em outros países, a maior parte é paga pelo poder público. No Brasil, o subsídio é baixíssimo, cerca de 12%, quando em outros países chega a 70%. Daí que o transporte coletivo é caríssimo frente ao transporte individual e isso explica o uso tão intenso de carros e motos nas cidades brasileiras.

Por que a proposta da tarifa zero não deu certo em São Paulo?

Na época, nós fizemos um estudo sobre os custos e propusemos um aumento nos impostos para subsidiar o transporte. Uma pesquisa realizada pela prefeitura em 1990 mostrou que a maior parte da população havia compreendido a proposta e estava de acordo. O problema é que a Câmara Municipal decidiu não discutir a proposta, apesar da aprovação da sociedade. Nas discussões, notamos que os vereadores das comissões que avaliaram o projeto somente discutiam os itens que eram de interesse das empresas do setor, o que revelou uma influência forte dos empresários de transporte dentro do Legislativo.

O que o senhor acha das manifestações contra o aumento da tarifa?

Elas são a expressão de uma disputa política. E como em toda disputa política, há alguns setores no governo, na imprensa, que vão fazer o jogo dos empresários.


2 comentários:

Mateus Oliveira dos Santos disse...

Importantíssima essa informação, inclusive os dados da aprovação da sociedade há mais de duas décadas atrás, além da adesão atual de cidades brasileiras. Reafirmar a falta de adesão partidária dos manifestantes é o primeiro passo para tirarmos das pessoas a ideia de jogo político e alicerçar o protesto como uma questão de interesse público

Mateus Oliveira dos Santos disse...

Importantíssima essa informação, inclusive os dados da aprovação da sociedade há mais de duas décadas atrás, além da adesão atual de cidades brasileiras. Reafirmar a falta de adesão partidária dos manifestantes é o primeiro passo para tirarmos das pessoas a ideia de jogo político e alicerçar o protesto como uma questão de interesse público