segunda-feira, 7 de abril de 2014

Jornalistas no cinema

Aproveito o Dia do Jornalista, hoje, uma segunda-feira, para listar meus filmes favoritos que tem colegas como protagonistas. O primeiro é fácil, "A Primeira Página" (1974), de Billy Wilder, a enésima adaptação da peça de Ben Hecht e Charles MacArthur, mas valorizada pelo cinismo do diretor e pelo elenco com a dupla Walter Matthau & Jack Lemmon, e uma muito jovem Susan Sarandon. Trata-se da cobertura da execução de um pobre coitado acusado de assassinar um policial, que acaba tendo uma reviravolta com o surgimento de provas que o inocentam. Mathau é o editor que faz com que seu melhor repórter, Lemmon, desista de abandonar o jornalismo por um emprego estável e o casamento com a rica e bela Sarandon

Em segundo lugar, do mesmo Wilder, "A Montanha dos Sete Abutres" (1951), com Kirk Douglas como um ambicioso repórter que vai parar num lugarejo e transforma um acidente num circo por meio do qual pretende voltar á ribalta da profissão. O recente "Quarto Poder (1997), de Costa Gravas, é quase um remake deste, como Dustin Hoffman no papel do jornalista inescrupuloso e John Travolta como um zelador que faz um grupo e estudantes reféns para ter de volta seu emprego.Aqui já estamos na era da TV e da notícia convertida em entretenimento, mesmo tema de outro grande filme, "Rede de Intrigas" (1976), de Sidney Lumet, em que Pete Finch é um âncora em vias de ser demitido que tem um ataque de nervos no ar, ameaçando se matar. Ao invés de perder o emprego, ele vira a principal atração da emissora, disparando verdades inconvenientes que o público adora. Numa ironia do destino, Finch ganhou o Oscar de melhor Ator, mas póstumo.

"Todos os homens do presidente" (1976), de Alan J. Pakula, tem a vantagem de ser baseada naquela que pode ter sido a mais importante reportagem do século XX, já que derrubou o homem mais poderoso do mundo, o presidente dos EUA, Richard Nixon. Dustin Hoffmann e Robert Redford interpretam Carl Bernstein e Bob Woodard, repórteres do Washington Post que colocaram o prédio Watergate nos livros de história.

Difícil limitar "Cidadão Kane" (1941) ao tema jornalismo, mas o roteiro de Herman J Mankiewicz e Orson Welles é preciso quando mostra a transformação do jornalismo em meados do século passado, e o poder que os magnatas da imprensa teriam com essa modernização, como William Randolph Hearst - o modelo do filme - Assis Chateaubriand e Roberto Marinho em terras tupiniquins.

"O Jornal" (1994), de Ron Howard, não é tão bom quanto os acima citados, mas traz um problema importante para o jornalismo: o processo industrial da mídia impressa versus o compromisso jornalístico. O velho bordão "Parem as máquinas!" já não existe há décadas, pressionado pelas demandas trabalhistas, de distribuição e logística da imprensa. É nesse campo que se dá o embate entre o editor-chefe Michael Keaton e a diretora industrial Glenn Close, ambos jornalistas, que que entram em conflito por conta de uma notícia e última hora que pode salvar uma vida, mas comprometer todo o cronograma do jornal.

E você, jornalista e/ou cinéfilo, tem algum outro preferido sobre essa mais do que carreira ou profissão, mas uma vocação de vida?


terça-feira, 1 de abril de 2014

Há meio século...

Marcos Kimura

Escrevo e publico este texto hoje, 1º de abril, por que essa é a data correta do golpe contra João Goulart há 50 anos. 31 de março se tornou o dia oficial da “Revolução” por que os militares não queriam que sua quartelada fosse comemorada no Dia da Mentira – ou dos Tolos, segundo os americanos. Ou seja, a história oficial ainda se dobra à manipulação dos generais quase 30 anos depois da redemocratização do Brasil.

Mais do que rememorar o início de um dos períodos mais negros da história do País, a efeméride deveria servir para olharmos para o presente de olho nas semelhanças com o cenário de meio século atrás. Está havendo um recrudescimento do moralismo ( “mulher com roupa curta está pedindo para ser atacada”), da intolerância e até mesmo do saudosismo da caserna, como atesta a ridícula – porém, significativa – tentativa de reeditar a Marcha com Deus e a Família. De certa forma, tudo isso é devidamente alimentado por uma imprensa decadente que vê na manipulação da informação como forma de voltar a ser relevante como foi na época das Diretas Já e na deposição de Fernando Collor.

Curiosamente, quando o povo foi às ruas no ano passado, jornais, revistas e TVs foram apanhados de surpresa, e por conta dos recentes cortes de pessoal feito nas redações por conta da crise das mídias tradicionais, restou pouca gente com experiência para fazer uma cobertura decente dos acontecimentos. Praticamente toda a mobilização foi feita por meio das redes sociais, que andaram se transformando em palanques, fontes de informação (falsas e verdadeiras) e manifestações on line, que muitas vezes se veem frustradas na vida real (nas urnas, especialmente) levando a muitos desses militantes de sofá a culpar o povo “ignorante” por não sabe votar. Por outro lado, houve quem tirou a bunda da cadeira e partiu para a mobilização de verdade, seja à esquerda ou à direita. Ainda é cedo para enxergar algum reflexo nas eleições que se aproximam.

Pior de tudo é a volta da paranoia anticomunista, que acusa este governo de querer transformar o Brasil num gigantesca Cuba ou Venezuela. O anticomunismo é o tradicional catalisador de golpes e tentativas de na América Latina, e mesmo sendo um anacronismo, a volta insistente desse discurso nos últimos meses não deixa de ser preocupante.

O que alivia é ver os quartéis em silêncio, sem qualquer tentativa de usar a data politicamente para confrontar o atual regime democrático. Claro que o cenário mundial é outro, mas à parte a Guerra Fria no auge no início dos anos 60 (pouco tempo depois da Crise dos Mísseis de Cuba) o golpe brasileiro tinha começado a ser gestado em 1922, no Tenentismo. A partir do episódio do Forte de Copacabana, em que 18 militares e civis enfrentaram as tropas fiéis a Artur Bernardes, grande parte da oficialidade passou a acreditar na missão redentora das Forças Armadas de salvar o País das mãos os oligarcas da política do Café com Leite. A participação na Revolução de 30 foi frustrada pelas artimanhas de Getúlio Vargas para permanecer no poder, e após 15 anos, derrubaram o ditador para garantir uma eleição em que dois militares concorriam.

O retorno de Vargas, desta vez eleito diretamente, fez os quartéis ficarem em polvorosa e tribunos como Carlos Lacerda, secundados por grande parte da imprensa, pregavam o golpe descaradamente. Getúlio conseguiu reverter a situação e forma extrema, suicidando-se adiando em 10 anos a quartelada anunciada.
Quando ela aconteceu, Lacerda, Adhemar de Barros e outros líderes acharam que, exilando o legado getulista juntamente com o governo João Goulart, finalmente havia chegado a vez deles. Só que desta feita, os militares estavam dispostos a exercer  o poder sem a interferência de políticos carismáticos, e cassaram os direitos políticos dos aspirantes ás eleições de 1965, que nunca aconteceu.

Segundo Elio Gaspari em sua importante obra “As Ditaduras”, defende que o regime militar implodiu por conta da insubordinação da Linha Dura, responsável pelo aparato repressivo que, quando não havia mais militantes da lutar armada para prender, torturar e matar, passou a caçar qualquer opositor.  Ernesto Geisel e seu “bruxo”, Golbery do Couto e Silva, articularam então a abertura lenta, gradual e progressiva, exonerando o generais mais extremistas e concedendo a anistia parcial.

Mesmo passado todo esse tempo depois da tropa ter se recolhido à caserna, parece haver um acordo silencioso entre as Forças Armadas e os sucessivos governos democrático para que os militares não se manifestem sobre assuntos políticos, em troca de não se investigar os diversos episódios obscuros da ditadura militar. A atual Comissão da Verdade começa a arranhar a superfície dos mistérios do período, como a possível assassinato de Juscelino Kubistchek e o desparecimento de Rubens Paiva. Mesmo assim, os responsáveis vivos permanecem impunes, muitos sob o manto de uma Lei de Anistia concedida por seus pares, o que vai na contramão dos vizinhos do Cone Sul, cujos militares também haviam deixado garantias de impunidade no aparato legal, devidamente derrubadas pela democracia. Como é que se supõe que o Brasil siga em frente como país civilizado enquanto os crimes da ditadura permanecerem impunes e fatos históricos como a morte de João Goulart no exílio ou o atentado do Rio-Centro continuarem sem solução?


Meio século depois do 1º de abril de 1964, ele permanece um corpo insepulto na sala de estar da democracia. É um cadáver em decomposição a céu aberto.