quarta-feira, 28 de março de 2012

A corrosão do caráter


Um dos mais importantes intelectuais contemporâneos, o sociólogo e historiador norte-americano Richard Sennett confirmou sua participação na 10ª edição da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty), que acontecerá entre os dias 4 e 8 de julho de 2012. Autor dos aplaudidos livros A corrosão do caráter (mais de 23 mil exemplares vendidos no Brasil) e O Artíficie, ambos lançados pela Editora Record, Sennett é dono de vasta bibliografia, com 15 obras - entre elas, três de ficção. Seus principais interesses estão focados no desenvolvimento social e urbanístico das metrópoles e nas mudanças no mundo do trabalho. 

Levado à sociologia por Hannah Arendt (sua professora na Universidade de Chicago), e assumido seguidor do filósofo francês Michel Foucault, Richard Sennett é professor de Ciências Sociais na London School of Economics e no Massachusetts Institute of Technology (MIT), e de Humanidades na Universidade de New York. Criado em um bairro pobre de Chicago, cidade onde nasceu, em 1943, filho de imigrantes russos, Sennett tentou carreira como violoncelista, na época em que estudava música na Juilliard School of New York, entre 1956 e 1962. Uma lesão na mão esquerda, porém, determinou o fim de sua trajetória como instrumentista.  Casado com a socióloga Saskia Sassen, conhecida por suas análises sobre globalização e migrações urbanas, Sennett é também autor de Carne e pedra,Autoridade, Respeito: a formação do caráterA cultura do novo capitalismo, lançados também pela Record, e de O declínio do homem público  (Companhia das Letras). Em Carne e pedra: O corpo e a cidade na civilização ocidental, Sennett engendra uma viagem pela história com olhos de arquiteto, estabelecendo umaligação entre o corpo humano e a cidade. A fase dedicada a pesquisas na área de planejamento urbanístico resultou em mais uma obra: The Conscience of the Eye (1990), um trabalho com foco no design das cidades. 

Posteriormente, Sennett ampliou seu campo de estudos analisando a corrosão do caráter induzida pela instabilidade profissional sob o capitalismo flexível. No livro sobre o assunto, ele se baseia em relatos de vida, notadamente de trabalhadores condenados à mobilidade, que não lhes possibilita o estabelecimento de vínculos duráveis. Para ele, o novo capitalismo afeta o caráter pessoal dos indivíduos, principalmente porque não oferece condições para construção de uma narrativa linear de vida, sustentada na experiência. 

Em suas análises, aponta o retraimento de uma cultura cosmopolita em microcomunidades bairristas e propõe alternativas aos modelos de relações sociais e humanas da nossa época. O livro O declínio do homem público (1974), um clássico da sociologia contemporânea, está mergulhado no clima tenso e desencantado da Guerra Fria, período em que foi escrito, nos anos 70. O autor provoca a sociedade contemporânea ao discorrer sobre o esvaziamento da esfera pública por meio da hipervalorização da intimidade, da privacidade, do retraimento e do silêncio. Não exclusiva do século XX, mas condicionada por uma série de mudanças ocorridas nas sociedades dos séculos XVIII e XIX, essa transformação é, portanto, investigada no livro a partir do século XVIII.

No mais ambicioso de seus livros, O Artíficie, Sennett explora o trabalho manual não industrializado. Ele conecta o esforço físico a valores éticos e discorre sobre o desejo de fazer as coisas da melhor maneira possível e sobre a frustração e os danos psíquicos causados quando esse desejo é negado. Com uma abordagem original, o autor expande o conceito de artesanato e impressiona ao mostrar o quanto é possível aprender sobre si mesmo por meio do ato de produzir manualmente.

Mais sobre Richard Sennett
Richard Sennett é graduado em sociologia (1964) pela Universidade de Chicago, e obteve seu Ph.D em Havard, em 1969. Naquele mesmo ano, iniciou seus estudos de História. Professor e pesquisador de Yale de 1967 a 1968, em seguida tornou-se diretor de um programa de estudos sobre a família urbana no Cambridge Institute, um centro de pesquisa sociológica fundado por ele, em Cambridge, Massachussets. Desde 1973, Sennett ensina História e Sociologia na New York University (NYU), onde fundou, em 1975, o New York Institute for the Humanities, que dirigiu até 1984. Desde 1988, é professor de Teoria Social e Teoria Cultural e coordenador acadêmico da London School of Economics e, desde 1998, diretor do Cities Programme. É consultor da UNESCO na área de planejamento urbano.

Mais informações no site da Flip: www.flip.org.br

quarta-feira, 14 de março de 2012

Considerações sobre o Oscar 2012


Um dos inconvenientes de ser critico de cinema da roça é ter que esperar para ver os filmes concorrentes ao Oscar muitas vezes depois da premiação. Ainda assim, as nove salas que Indaiatuba tem hoje em dia nos permitem isso, o que é muito melhor que aguardar em DVD – ou outros meios ilícitos.
Assim, só esta semana fechei o ciclo dos vencedores dos prêmios da Academia, deixando diversos indicados de lado. Mas tendo visto Meia-noite em Paris, O espião que sabia demais, Os descendentes, Histórias cruzadas, A invenção de Hugo Cabret, A Dama de Ferro e O artista, vão aqui algumas considerações.

Melhor roteiro 
No adaptado, o vencedor Os descendentes teve concorrência mais forte, com Hugo Cabret, O espião que sabia demais, Tudo pelo poder (vi esses) e O homem que mudou o jogo. O critério de desempate foi o prestigio com que o filme de Alexander Payne chegou às finais, porque o roteiro não é melhor que nenhum dos três que eu vi. No original, por outro lado, apesar de adorar Woody Allen, O artista é mais criativo. É engraçado como, mesmo esnobando a Academia há décadas (ele prefere tocar clarinete num clube de jazz nas noites das cerimônias), Allen sempre leva alguma coisa, como premio para coadjuvante ou roteiro. Mas, voltando a O artista: a abertura já é ótima, com o personagem de Jean Dujardim atuando num filme de espionagem em que é torturado e seu interrogador grita para ele: “Speak! SPEAK!” De saída temos o plot do filme, que prossegue citando diversos ícones cinematográficos, como a série Fantomas, Cantando na chuva, Nasce uma estrela e o compositor Bernard Hermann na crucial cena do reencontro final dos protagonistas. Muito bom.

Atriz coadjuvante – A inscrição de Berénice Bejo (ótima em O artista, mas é protagonista) como coadjuvante foi para dar mais chances a ela, mas Octavia Spencer em Histórias cruzadas tirou as chances de todas as demais. Não tanto tecnicamente, mas porque foi quase uma conspiração para colocá-la no papel uma negra nascida e criada no Mississipi, como ela própria. Claro que ela não viveu o mesmo clima de opressão de 50 anos atrás, mas conhece a cultura local e o accent, e suas mãe, tias e avó certamente contaram diversas histórias dos tempos da segregação. De verdade, gostei mais da argentina, mas o premio de Octavia serviu como um certificado de qualidade ao comercialmente bem sucedido Historias cruzadas.

Ator coadjuvante – Aqui é onde tenho menos informação, já que não vi nenhum dos concorrentes. Quero crer que, Christopher Plummer mereceu, nem que fosse pela longa carreira.

Atriz – Ok, Viola Davis estava ótima em Histórias cruzadas, mas não dava mesmo para competir com a Margaret Tacher de Meryl Streep. O filme não consegue dar a dimensão histórica que a personagem teve, mas a atriz conseguiu se transformar numa Dama de Ferro muito além da caricatura mas facilmente reconhecível por quem se acostumou a vê-la no comando do combalido Império Britânico por mais de uma década. Enquanto Viola é uma brilhante spalla num conjunto afinado (não é à toa que teve duas indicadas a atriz coadjvante), Meryl faz um concerto solo em que seu virtuosismo técnico brilha mesmo com uma partitura não tão boa.

Ator – Aqui o negócio fica complicado. Jean Dujardin é tão bom assim ou o papel é que lhe caiu como uma luva? Dos seus concorrentes, vi George Clooney em Os descendentes e Gary Oldman em O espião que sabia demais. O primeiro tem sua melhor atuação cinematográfica – ainda que seu melhor filme seja Amor sem escalas – e o segundo, bem, é tecnicamente muito melhor que os outros dois trabalhos. O habitualmente exuberante Oldman está contido, dentro e um filme construído às antigas, e por isso acabou não fazendo sucesso. Mas é um filmão. Dujardin ganhou porque carregou o melhor filme nas costas.

Diretor – A disputa só tinha gente da pesada, mas entre os três finalistas com mais chances – Michel Hazanavicius (O artista), Alexander Payne (Os descendentes) e Martin Scorcese (A invenção de Hugo Cabret) – o do último era o melhor, mais criativo, mais cinema. Mais uma vez, o filme do ano decidiu a categoria.

FilmeA invenção de Hugo Cabret era o melhor entre os filmes que disputaram o Oscar, mas na hora agá, o negócio ficou entre O artista e Os descententes e, aí, o filme frances é, além de melhor, mais divertido. Hugo, como é no original, e O Artista são homenagens ao cinema, mas enquanto Scorcese fala sobre a invenção e o deslumbramento que a tela mágica causa há mais de um século, Hazanevicius trata justamente do momento em que Hollywood começa a dominar o mundo, a partir do advento do som. Até então, as cinematografias européias disputavam o mercado mundial em condições muito mais paritárias, mesmo considerando a Grande Guerra, a Primeira. Para que outros países – especialmente a América – compreendessem seus produtos bastava traduzir alguns intertítulos. Essa era “globalizada” é ilustrada pelo uniforme de Fantomas (personagem levado às telas pelo pioneiro Louis Feuilade nos primórdios do cinema) que George Valentin (Dujardin) veste ao escapar do QG soviético do filme dentro do filme. A própria relutância do personagem em falar – cuja razão é revelada sutilmente no final - tem a ver com esse fato.Lembrem-se que na Hollywood muda, diversos artistas que falavam ingles mal ou com sotaque fizeram sucesso. No mais, um filme encantador em um tempo em que os espectadores não querem ver nem filmes legendados, quanto mais, mudos. 
Especialmente para os indaiatubanos, vá ver enquanto ele está em cartaz. Quem gosta de cinema de verdade vai adorar..