Marcos Kimura
Em janeiro, o Cineclube Indaiatuba exibiu “As Sufragistas”,
de Sara Gravon, que bateu o recorde de público em 10 anos de atividade dessa
sessão especial dos cines Topázio. É interessante também notar que o recorde
anterior era do filme “A Separação”, que embora não tratasse diretamente do
feminismo, abordava os papéis de homem e mulher na família numa sociedade regrada
por uma doutrina religiosa patriarcal. Pensando em como o Cinema contribui para uma reflexão a
respeito, fiz uma listinha de filmes que abordam o assunto com talento, relevância
e sensibilidade.
Para começar, o próprio “As Sufragistas”, que opta por mostrar
o movimento pelo voto feminino na Inglaterra do início do século XX do ponto de
vista de uma mulher comum, e não de suas líderes ou da organização como um
todo. O resultado é um retrato dos preconceitos, sacrifícios e luta pelos quais
as militantes tinha que passar em uma jornada que só seria vitoriosa muitos
anos depois. Atuações pungentes de um
elenco encabeçado por Carey Mulligan, Helena Boohan-Carter e participação
afetuosa de Meryl Streep ajudam muito a direção sensível, mas convencional de
Sarah Gravon.
Outro filme exibido pelo Cineclube Indaiatuba sobre o tema é
o libanês “E agora, onde vamos?”, da diretora e atriz Nadine Labaki, que ganhou
notoriedade internacional a parti de “Caramelo”, também exibido no Cineclube.
Ambientado numa pequena pequena aldeia que tem como ligação com o resto do país
uma pequena ponte, o filme já começa com um cortejo fúnebre de mulheres no
cemitério local, prestando homenagem a filhos, irmãos, maridos e outros
parentes mortos na interminável guerra civil entre cristão e muçulmanos. Unidas
na dor, na saída elas se separam, cada grupo indo para seu lado da cidade.
Decididas a acabar com o morticínio, elas acabam usando diversos subterfúgios
para distrair os homens da ideia de vingança, desde interrompendo o sinal da TV
para que não vejam o noticiário até patrocinar um grupo de belas estrangeiras
perdidas nos rincões do Líbano. Embora tenha seus momentos engraçados, o longa
destaca que, em todos os conflitos, a mulher é sempre quem enterra e chora os
mortos.
Também exibido pelo Cineclube Indaiatuba e igualmente de uma
mulher árabe, Haifaa Al-Mansour, “O Sonho de Wadjda” é também o primeiro filme
oficialmente realizado na Arábia Saudita. Ele acompanha a adolescente do
título, que gosta de brincar com os garotos e que sonha em comprar uma bicicleta
que viu numa loja do bairro. Só que além de não ter o dinheiro, andar de
bicicleta é algo proibido às mulheres em seu país. Ao mesmo tempo, a mãe
enfrenta problemas oriundos da sociedade machista e acaba se comovendo com a
luta da filha pelo seu singelo sonho. O que amplia o interesse sobre este
trabalho é que não se trata da ótica etnocentrista ocidental, mas de uma mulher
inserida nessa sociedade, e que conseguiu fazer um filme muito bom sem apelar
para saídas fáceis.
“Tomara que seja mulher” é um clássico dos anos 80, o único
da lista dirigido por um homem, o grande Mario Monicelli, com um elenco de
estrelas: Catherine Deneuve, Liv Ullman e Steffania Sandrelli. Os homens
são Philippe Noiret, Bernard Blier e o Giuliano Gemma dos western spaghetti.. Um grupo de mulheres opta por viver numa
fazenda na Toscana praticamente sem homens, á exceção de um tio
idoso e senil. Obviamente, nem tudo é hramonia, e a ausência masculina é sentida
apesar dos pesares, mas, ao final, quando uma das jovens fica grávidas, todas
torcem que seja mais uma mulher, como diz o título.
Finalmente, defendendo as cores nacionais, o recente “Que
horas ela volta?”, de Ana Muylaert, com show da dupla Regina Casé e Camila
Márdia. Carioca de duas gerações, Regina se consolida com o título cujo
equivalente masculino um dia já foi de Jofre Soares, o de “maior atriz
nordestina do mundo” (vide “Eu, tu, eles”). Como a mãe que opta por deixar a
filha com uma irmã na terra natal para ganhar a vida como empregada doméstica
em São Paulo, ela dá tridimensão ao personagem que com outra atriz poderia cair
na caricatura. A atuação é complementada pelo contraste oferecido por Camila,
uma jovem vindo de outro momento político-econômico-social do Brasil, cujo
inconformismo chega a soar inconveniente para o espectador acostumado dom
aquele status quo (no Exterior, as pessoas entranhavam era comportamento
senhorial dos donos da casa até para tomar um copo d’água).Um filme que não
apenas dá o protagonismo – e antagonismo, da parte da personagem da ótima
Karine Teles – mas também vislumbra uma nova realidade para as jovens como
Camila, que não apenas escapa do destino da mãe como a desperta da relação
perversa que ela via como afetuosa.