quinta-feira, 9 de maio de 2013

Matéria sobe "Caro Francis", publicada em janeiro de 2010


Por conta do e-mail do Japs, mostrado no post anterior, fui procurar minha matéria sobre o lançamento do documentário "Caro Francis" na Tribuna de Indaiá. Pelos visto, não se preocuparam em colocá-lo na Internet, então faço isso eu mesmo, incluindo uma retranca

Documentário relembra o polemista Paulo Francis

Caro Francis, segundo Nelson Hoineff, é o resgate de uma dívida de gratidão com o amigo

Marcos Kimura

O diretor Nelson Hoineff durante o lançamento de "Caro Francis"
Quarta-feira (6 de janeiro de 2010), Reserva Cultural, na Avenida Paulista, onde na minha juventude funcionavam os cines Gazeta e Gazetinha. Pergunto ao diretor de Caro Francis, Nelson Hoineff, como ele via as criticas de que faltou isenção jornalística no seu documentário. “Não é para ser isento mesmo, é um trabalho a favor do Paulo Francis! É uma pequena forma de pagar uma grande dívida de gratidão que tenho com ele”, respondeu-me pouco antes da projeção. Finda a sessão e volto a abordá-lo, para parabenizá-lo e desmenti-lo: “Não concordo com você. Você ouviu todos os lados nas polêmicas abordadas no filme”.
Mas vamos ao começo. Por que é que o repórter de Cultura desta Tribuna dirigiu até São Paulo, debaixo de uma tempestade, só para ver a pré-estréia de um documentário? Pelo mesmo motivo de ter recebido mais ligações quando Paulo Francis morreu, em 1997, do que quando meu próprio pai faleceu, em 2002. Se não devo favores e gentilezas pessoais ao comentarista do Pasquim, Folha, Estado, Jornal da Globo e Manhattan Connection; graças a ele minha geração teve um guia de leitura para um jovem se considerar minimamente informado, como bem observou, certa vez, André Forastieri.
Voltando ao documentário em si: é verdade que, para contrapor às declarações de Caio Túlio Costa no episódio que levou á saída de Paulo Francis da Folha, Hoineff colocou Diogo Mainardi, cuja língua é mais venenosa que do seu mestre, mas sem a mesma graça. A polêmica é minimizada no livro oficial da Folha de S. Paulo sobre seu caderno de Cultura, Pós-Tudo, 50 anos de Cultura na Ilustrada, mas na época a discussão incendiou a mídia brasileira. A ida de Francis para o Estadão tornou o Caderno 2, óbvia imitação da Ilustrada, relevante. O filme de Hoineff resgata o caso e permite aos mais jovens lembrarem que Costa fez praticamente o mesmo com Paulo Henrique Amorim há uns dois anos no IG, só que aí uma posição de poder que ele não tinha na Folha.
Hoineff é um jornalista de formação que virou documentarista a partir do elogiado O Homem Pode Voar, sobre Alberto Santos Dumont. Ano passado ele emplacou Alo, Alo Terezinha, sobre Abelardo Barbosa, o Chacrinha e agora estréia Caro Francis, esta semana em São Paulo e na próxima, no Rio. Em rápida entrevista na saída do filme, o diretor disse que se fixou em alguns nós da carreira do amigo: seu início como critico de teatro (marcado por um mal-entendido com a atriz Tônia Carrero, no qual ele admitiu ter errado), sua participação no Pasquim (época em que foi preso com quase toda a diretoria do hebdomadário), sua entrada na Globo (depois de ter desancado Roberto Marinho anos a fio), a virada política de trostkista a fã de Roberto Campos, a já mencionada saída da Folha e o processo da Petrobrás que, segundo quase todos os amigos, acabou por matá-lo. Hoineff diz que o que mais o surpreendeu foram os testemunhos sobre a generosidade e demonstrações de amizade. “Eu achava que era só comigo”, conta. Perguntei qual exatamente sua dívida com Francis, e o cineasta citou vários casos em que o amigo usou seu prestígio pessoal para arrumar trabalho em diversos momentos difíceis, sem que lhe fosse solicitado. “Esse era o Francis que os amigos conheciam”. Desses, Hoineff disse que só não conseguiu falar com dois, Ivan Lessa, que mora em Londres e está com um problema de saúde; e Millor Fernandes, por problemas de agenda.
Vamos partir do princípio de que não existe documentário isento. O clássico Corações e Mentes já foi roteirizado a partir de uma posição contra a Guerra do Vietnã. O recente Uma Verdade Inconveniente, além de chato, é um catecismo com pouco ou nenhum espaço á contestação. E o que dizer de Michael Moore então? Hoineff faz a lição de casa e deu voz tanto para Caio Túlio quanto para Gustavo Krause, chamado por Francis de caipira antes de assumir o Ministério da Fazenda, e João Rennó, o ex-presidente da Petrobrás que processou o jornalista em US$ 100 milhões. No caso deste último, o diretor gravou uma ligação telefônica, uma vez que ele se recusou a conceder entrevista. Antiético, como escreveu Neusa Barbosa do Cineweb? Os telejornais globais fazem o mesmo cotidianamente.
É evidente que Francis foi irresponsável no episódio, que aconteceu em um dos Manhattan Connection, mas Rennó, ao invés de processá-lo como pessoa física por uma suposta calúnia pessoal, o fez usando todo o poder da estatal e tendo como fórum os Estados Unidos, o que não faz sentido, já que o programa só era transmitido para o Brasil. O depoimento do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre o caso é hilário, em que ele revela ter aconselhado o então presidente da Petrobrás a recuar, mas pergunta pateticamente para o entrevistador se ele o fez. Pô, ele era o presidente da República! Curiosamente, a viúva Sonia Nolasco conta que FHC foi um dos primeiros a ligar quando Francis morreu.
Muito além do polemista televisivo, Paulo Francis conhecia história e política internacional como ninguém. Foi um dos poucos que previu que Margaret Thatcher cairia após um voto de desconfiança do Parlamento em 1990 e que o golpe contra Gorbatchev em 1991 não iria para a frente, quando muitos analistas previam uma longa guerra civil. Nas Artes, suas especialidades eram o teatro, a ópera e a literatura. Dizia que Irmãos Karamazov indispensável, mas que preferia arrancar um dente a frio do que reler certas passagens de Aliosha. Esse Francis que nos ensinou tanto infelizmente não está no filme. Mas permanece o personagem que divertia com seu texto único, suas opiniões idiossincráticas de que ríamos secretamente, quando chamava Itamar Franco de Shirley, por exemplo. Caro Francis é para quem lia religiosamente o Diário da Corte às quintas e sábado (depois domingo, no Estadão) e aguardava suas pílulas no Jornal da Globo. Não tem Diogo Mainardi, Arnaldo Jabor ou mesmo Daniel Piza que preencha o vazio que ele deixou.

Quem foi Paulo Francis

Hoje em dia temos que explicar desde o que era compacto simples até quem foi Paulo Francis. Afinal, estamos perto de completar 13 anos de sua morte. Como o próprio diretor do documentário "Caro Francis" disse, seu filme não é um documentário explicando quando ele nasceu, quem foi sua primeira professora, essas coisas, então vamos aos fatos importantes. Paulo Francis nasceu quando Franz Paulo Trannin da Matta Heilborn entrou para o Teatro do Estudante, dirigido por Paschoal Carlos Magno, que achava que esse nome germânico e aristocrático não dava certo no palco. Batizou-o de Paulo Francis, que mais mais tarde achou que o nome parecia de bailarino de teatro de revista Começou sua carreira na imprensa como crítico de teatro do Diário Carioca, onde se lançou no desafio de fazer resenhas isentas, sem levar em consideração igrejinhas e vacas sagradas. Depois, teve uma coluna política na Última Hora, quando aprofundou seu esquerdismo e apoiou a resistência de Leonel Brizola ao veto que o militares queriam impor ao vice de Jânio Quadros, João Goulart. Após o golpe de 64, fez parte da primeira turma do Pasquim, o semanário que revolucionou a linguagem jornalística, da qual fizeram parte Tarso de Castro, Jaguar, Ziraldo, Henfil, Millor Fernandes, Sérgio Cabral e tantos outros. Também escreveu para a Tribuna de Imprensa. No início dos anos 70 mudou-se para Nova York e passou a ser correspondente do próprio Pasquim, da Tribuna da Imprensa, da revista Status (a Playboy da época) e a partir de 1976, da Folha de S. Paulo, a convite de Cláudio Abramo. O Diário da Corte, uma página inteira com ilustração de Marisa, publicado às quintas e sábados, torna-se a coluna mais lida do jornal. Em 1980 passa ser comentarista do Jornal da Globo e se torna celebridade nacional, sendo imitado por humoristas como Chico Anysio e Hubert, do Casseta e Planeta. Em 1990, após a briga com o ombudsman Caio Túlio Costa, sai da Folha e vai para o concorrente O Estado de São Paulo. Em 1993, passa a fazer parte do time do Manhattan Connection, do canal pago GNT, no qual é a principal atração. É por causa de um comentário feito nesse programa, em 1997, que o então presidente da Petrobrás, João Rennó, decide processá-lo por calúnia numa ação de US$ 100 milhões, como foro em Nova York. Morreu de ataque cardíaco em 4 de fevereiro daquele ano.

Diálogo sobre Paulo Francis

Ontem recebi um e-mail do meu amigo José Antônio Pereira de Sousa, o Japs, economista formado pela FEA com quem, nos tempos de USP, compartilhava a paixão pelo jazz e livros. O motivo da conversa foi Paulo Fancis, por meio de quem ambos descobrimos em nossas respectivas províncias que não sabíamos nada e que havia um mundo de conhecimento além do que chegava ao Brasil do fim da ditadura. Segue o papo.

JapsResolvi fuçar a net sobre o Francis e me deparei com esta tese, li trechos, não é ruim (anexo). Tem pontos que  elucidam, por exemplo, não sabia que havia ido para NY com bolsa da Ford no início dos 70... o que deve ter sido o beijo da morte para as esquerdas. E tem este livro póstumo, Carne Viva, ignoro. Vc chegou a ver? Concordo com o autor que quando publicou 30 anos esta noite já estava na descendente... tentando recuperar o brilho fazendo graça na TV, morreu de fazer graça com a Petrobras, dizem... Acho que a principal contribuição do Francis ao "jornalismo brasileiro", o que quer que signifique esta besta acéfala foi, primeiro, a linguagem (aquela coisa que dizia copiar de Shaw, quatro palavras, uma vírgula, etc) e segundo, a janela para o mundo, mostrava sempre e fazia questão de esfregar na nossa cara o quanto somos (éramos ainda mais nos anos 80, quando começamos a ler jornal a sério) ignorantes e completamente marginais em relação à produção intelectual do resto do mundo. Continuamos muito assim. Ainda me assusto, acordando de noite suando e perplexo, pelo nível absolutamente chão de nossas elites burocráticas, especialmente as de Brasília, as elites "privadas" não diferem muito, só tem mais dinheiro e acesso a mulheres melhores e mais perfumadas.... O projeto literário, ficcional, dele, nunca entendi direito porque sou incapaz de entender ficção direito, me falta alguma mola ou parafuso, imagino. De qualquer forma, não me interesso, ainda que faça a ressalva que "O Afeto" foi um dos livros fundamentais para minha formação, ao mostras o tamanho estúpido da minha ignorância e falta de referências...o outro,claro, foi Human Condition da Arendt, com a interpretação tripartite do humano, mas divago. Francis começou a morrer com a chegada do jornalismo "científico", ombudsman e quetais, sem falar no japa Suzuki com computador "comentando" a copa bosta de 94. Tem um livrinho do Francis, "Paulo Francis - uma coletânea de seus melhores textos já publicados" onde por sinal, ele mete o pau, of all people, no Nelson Rodrigues, analfabeto, critica Bertrand Russell sem razão, etc, etc. Mas Nelson, assim como Lacerda (no pouquíssimo que li, o Cão Negro) escrevia formidavelmente claro para uma língua travada e pedante como a nossa, e talvez na crítica viesse um pouco de inveja. Enfim, a TV matou Francis, não a Petrobras, nem ninguém... suicídio induzido pela TV, embora fosse um suicídio supremamente engraçado de se assistir, que é o papel da tv, não?

Kimura - Não, não li Carne Viva. Em compensação, fui à pré-estréia de "Caro Francis" em São Paulo e conversei rapidamente com o diretor Nelson Hoineff. Escrevi um textículo para o jornal para o qual escrevia então - e do qual fui defenestrado há um ano - e envio anexo. 
O infame André Forestieri (Lembra dele? Era amigo da Suzanona, que remava) disse que Francis foi o grande guia literário de nossa geração. Pessoalmente, além disso, fiz diversos amigos por causa dele, entre eles voce mesmo e o Paulão que hoje está em Portugal. De todos, fui o único que permaneceu seu leitor quando de sua guinada à direita, e é justamente isso que o torna relevante para muitos hoje em dia. A coletânea Diário da Corte - que eu, obviamente comprei - tem posfacio de Luiz Felipe Pondé, um dos queridinhos da nova direita. Ele faz um link entre Francis e a agenda Veja que predomina na imprensa tupiniquim. Francis cagaria em todos, mesmo concordando em malhar o governo do PT. Mas ele ele saberia a diferença entre a tentativa de controle do Estado pelo partido que foi o mensalão e a roubalheira pura e simples que constituiram os escândalos Collor, Anões do orçamento, Máfia das Ambulâncias e outros. Sem falar nas privatizações tucanas.
Mas voltando às suas considerações, se a TV o matou foi por ter inflado sua soberba na bancada do Manhattan Conection, em que ele era a figura dominante e na época parecia provar a possibilidade de vida inteligente na televisão, mesmo a fechada. Um processo de Rennó no Brasil bem poderia ser "segurado" pela Globo - como me contaram que a Abril fez por Diogo Mainardi anos a fio - mas nos EUA, o negócio era diferente. E o filha da puta ainda usou do poder da Petrobrás num processo de calúnia que era pessoal, e não contra a empresa, da qual ele falava coisa muito pior. Mesmo que sobrevivesse àquele enfarte, dificilmente chegaria aos dias de hoje, quando teria 82 anos. Muito mais provável que a eleição de Lula em 2001 o matasse.

Japs - Estou pior do que vc: nem li Carne Viva nem tampouco assisti "Caro Francis" (que, descubro neste momento, tem no YouTube, fiquei alheio a algumas tecnologias, waallll...e preciso mesmo fazer a p... do FB, mesmo que seja um Fakebook). 
Da fato, numa era pré-computador e com os livros, nacionais e importados caríssimos que nos vendiam, nossa geração dependia literariamente de bibliotecas (pouquíssimas, mas uma das poucas lembranças acadêmicas queridas que guardo da USP), contatos no exterior e na burritzia local (impossível não lembrar da biblioteca do Ilana) e jornalismo. Na ausência dos primeiros, sobrava o Francis, em doses na Folha. Na época da guinada à direita eu já não lia mais o Francis, e como demorei a ter TV a cabo, perdi grande parte dos programas. Mas permaneceu a contribuição dos livros e crônicas, quando li "O Afeto", início dos anos 80, tinha largado a Poli e vagabundeava em Minas. Trinta anos esta tarde. Li aquilo e pensei imediatamente, pqp, estou num estágio pouco além do Cro-Magnon, lia e relia tentando captar as referências que saltavam dos parágrafos...era referência literária no sentido amplo, literatura, poesia, ensaio, biografia (nunca deixei passar nenhuma boa biografia vitoriana depois disso).
Gostei de seu texto, melhorou a antiga verve, Mainardis, Jabors e Pizas não se comparam. Francis aos 82, malhando o governo PT e apoplético com a reconhecimento do Lula, tripudiaria dos três. 
Leia partes da tese; tem coisas interessantes, por exemplo, o texto original da polêmica com a Tônia Carrero, etc. Sem falar nos resumos dos livros, que têm, sim, enredos meio conturbados. Me ocorreram duas coisas: o Francis como ficcionista não foi nota 10, mas talvez um dia alguém o transforme em personagem de ficção, e aí, sim, poderíamos ter algo nota 10...e por fim, está faltando uma análise do Francis e da importância para a formação intelectual da geração dele, da Revolução Russa, acho  o fim da URSS, já caquética, teve muito a ver com a tal guindada política (culturalmente é outra coisa). O famoso ensaio que ele dizia ter escrito sobre a Revolução estará também entre as peças da biblioteca com a viúva?
Abração e vamos nos falando.
JAPS