quinta-feira, 9 de maio de 2013

Diálogo sobre Paulo Francis

Ontem recebi um e-mail do meu amigo José Antônio Pereira de Sousa, o Japs, economista formado pela FEA com quem, nos tempos de USP, compartilhava a paixão pelo jazz e livros. O motivo da conversa foi Paulo Fancis, por meio de quem ambos descobrimos em nossas respectivas províncias que não sabíamos nada e que havia um mundo de conhecimento além do que chegava ao Brasil do fim da ditadura. Segue o papo.

JapsResolvi fuçar a net sobre o Francis e me deparei com esta tese, li trechos, não é ruim (anexo). Tem pontos que  elucidam, por exemplo, não sabia que havia ido para NY com bolsa da Ford no início dos 70... o que deve ter sido o beijo da morte para as esquerdas. E tem este livro póstumo, Carne Viva, ignoro. Vc chegou a ver? Concordo com o autor que quando publicou 30 anos esta noite já estava na descendente... tentando recuperar o brilho fazendo graça na TV, morreu de fazer graça com a Petrobras, dizem... Acho que a principal contribuição do Francis ao "jornalismo brasileiro", o que quer que signifique esta besta acéfala foi, primeiro, a linguagem (aquela coisa que dizia copiar de Shaw, quatro palavras, uma vírgula, etc) e segundo, a janela para o mundo, mostrava sempre e fazia questão de esfregar na nossa cara o quanto somos (éramos ainda mais nos anos 80, quando começamos a ler jornal a sério) ignorantes e completamente marginais em relação à produção intelectual do resto do mundo. Continuamos muito assim. Ainda me assusto, acordando de noite suando e perplexo, pelo nível absolutamente chão de nossas elites burocráticas, especialmente as de Brasília, as elites "privadas" não diferem muito, só tem mais dinheiro e acesso a mulheres melhores e mais perfumadas.... O projeto literário, ficcional, dele, nunca entendi direito porque sou incapaz de entender ficção direito, me falta alguma mola ou parafuso, imagino. De qualquer forma, não me interesso, ainda que faça a ressalva que "O Afeto" foi um dos livros fundamentais para minha formação, ao mostras o tamanho estúpido da minha ignorância e falta de referências...o outro,claro, foi Human Condition da Arendt, com a interpretação tripartite do humano, mas divago. Francis começou a morrer com a chegada do jornalismo "científico", ombudsman e quetais, sem falar no japa Suzuki com computador "comentando" a copa bosta de 94. Tem um livrinho do Francis, "Paulo Francis - uma coletânea de seus melhores textos já publicados" onde por sinal, ele mete o pau, of all people, no Nelson Rodrigues, analfabeto, critica Bertrand Russell sem razão, etc, etc. Mas Nelson, assim como Lacerda (no pouquíssimo que li, o Cão Negro) escrevia formidavelmente claro para uma língua travada e pedante como a nossa, e talvez na crítica viesse um pouco de inveja. Enfim, a TV matou Francis, não a Petrobras, nem ninguém... suicídio induzido pela TV, embora fosse um suicídio supremamente engraçado de se assistir, que é o papel da tv, não?

Kimura - Não, não li Carne Viva. Em compensação, fui à pré-estréia de "Caro Francis" em São Paulo e conversei rapidamente com o diretor Nelson Hoineff. Escrevi um textículo para o jornal para o qual escrevia então - e do qual fui defenestrado há um ano - e envio anexo. 
O infame André Forestieri (Lembra dele? Era amigo da Suzanona, que remava) disse que Francis foi o grande guia literário de nossa geração. Pessoalmente, além disso, fiz diversos amigos por causa dele, entre eles voce mesmo e o Paulão que hoje está em Portugal. De todos, fui o único que permaneceu seu leitor quando de sua guinada à direita, e é justamente isso que o torna relevante para muitos hoje em dia. A coletânea Diário da Corte - que eu, obviamente comprei - tem posfacio de Luiz Felipe Pondé, um dos queridinhos da nova direita. Ele faz um link entre Francis e a agenda Veja que predomina na imprensa tupiniquim. Francis cagaria em todos, mesmo concordando em malhar o governo do PT. Mas ele ele saberia a diferença entre a tentativa de controle do Estado pelo partido que foi o mensalão e a roubalheira pura e simples que constituiram os escândalos Collor, Anões do orçamento, Máfia das Ambulâncias e outros. Sem falar nas privatizações tucanas.
Mas voltando às suas considerações, se a TV o matou foi por ter inflado sua soberba na bancada do Manhattan Conection, em que ele era a figura dominante e na época parecia provar a possibilidade de vida inteligente na televisão, mesmo a fechada. Um processo de Rennó no Brasil bem poderia ser "segurado" pela Globo - como me contaram que a Abril fez por Diogo Mainardi anos a fio - mas nos EUA, o negócio era diferente. E o filha da puta ainda usou do poder da Petrobrás num processo de calúnia que era pessoal, e não contra a empresa, da qual ele falava coisa muito pior. Mesmo que sobrevivesse àquele enfarte, dificilmente chegaria aos dias de hoje, quando teria 82 anos. Muito mais provável que a eleição de Lula em 2001 o matasse.

Japs - Estou pior do que vc: nem li Carne Viva nem tampouco assisti "Caro Francis" (que, descubro neste momento, tem no YouTube, fiquei alheio a algumas tecnologias, waallll...e preciso mesmo fazer a p... do FB, mesmo que seja um Fakebook). 
Da fato, numa era pré-computador e com os livros, nacionais e importados caríssimos que nos vendiam, nossa geração dependia literariamente de bibliotecas (pouquíssimas, mas uma das poucas lembranças acadêmicas queridas que guardo da USP), contatos no exterior e na burritzia local (impossível não lembrar da biblioteca do Ilana) e jornalismo. Na ausência dos primeiros, sobrava o Francis, em doses na Folha. Na época da guinada à direita eu já não lia mais o Francis, e como demorei a ter TV a cabo, perdi grande parte dos programas. Mas permaneceu a contribuição dos livros e crônicas, quando li "O Afeto", início dos anos 80, tinha largado a Poli e vagabundeava em Minas. Trinta anos esta tarde. Li aquilo e pensei imediatamente, pqp, estou num estágio pouco além do Cro-Magnon, lia e relia tentando captar as referências que saltavam dos parágrafos...era referência literária no sentido amplo, literatura, poesia, ensaio, biografia (nunca deixei passar nenhuma boa biografia vitoriana depois disso).
Gostei de seu texto, melhorou a antiga verve, Mainardis, Jabors e Pizas não se comparam. Francis aos 82, malhando o governo PT e apoplético com a reconhecimento do Lula, tripudiaria dos três. 
Leia partes da tese; tem coisas interessantes, por exemplo, o texto original da polêmica com a Tônia Carrero, etc. Sem falar nos resumos dos livros, que têm, sim, enredos meio conturbados. Me ocorreram duas coisas: o Francis como ficcionista não foi nota 10, mas talvez um dia alguém o transforme em personagem de ficção, e aí, sim, poderíamos ter algo nota 10...e por fim, está faltando uma análise do Francis e da importância para a formação intelectual da geração dele, da Revolução Russa, acho  o fim da URSS, já caquética, teve muito a ver com a tal guindada política (culturalmente é outra coisa). O famoso ensaio que ele dizia ter escrito sobre a Revolução estará também entre as peças da biblioteca com a viúva?
Abração e vamos nos falando.
JAPS

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