quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Woody Alen perde o rumo para Roma

Penelope Cruz, única espanhola entre diversos italianos

Dizem que todos os caminhos levam a Roma, mas esse não foi o caso para Woody Allen. De todos seus recentes filmes-homenagens a cidades europeias (alguns deles, generosamente subsidiados pelas respectivas prefeituras – “Para Roma com Amor” é a pior. E curiosamente, na semana passada, a revista Sight and Sound divulgou sua lista anual de melhores filmes de todos os tempos, ressaltando as escolhas de alguns diretores convidados, Alen entre eles. Os top 10 do novaiorquino são 1º ) Ladrões de Bicicletas (1948, de Vittorio De Sica); 2º) O Sétimo Selo (1957, de Ingmar Bergman); 3º) Cidadão Kane (1941, de Orson Welles); 4º) Amarcord (1973, de Federico Fellini); 5º) 8 1/2 (1963, também de Federico Fellini); 6º) Os Incompreendidos (1959, de Francois Truffaut); 7º) Rashomon (1950, de Akira Kurosawa); 8º) A grande Ilusão (1937, de Jean Renoir); 9º) O Discreto Charme da Burguesia (1972, de Luis Bunuel) e, 10º) Glória Feita de Sangue (1957, de Stanley Kubrick). Como se vê, a lista de Mr. Allen tem três filmes de diretores italianos, contra apenas dois de americanos, dois de autores franceses, um espanhol, um sueco e um japones. Fica, portanto, frisada sua predileção pelo cinema produzido na Itália.
Infelizmente seu filme mais recente não consegue chegar a ser uma homenagem decente a essa cinematografia que ele tanto aprecia. O episódio italiano de “Tudo o que voce sempre quis saber sobre sexo mas tinha medo de perguntar” (1972) é um tributo mais adequado do que todo “Para Roma com Amor”. Allen parece ter tentado homenagear uma moda da Itália dos anos 60 – o filme de episódios amarrados por um tema em comum. Alguns resultavam em obras de qualidade, como “Rogopag” (1963), cujo título era formado pelos nomes dos diretores Rosselini, Goddard, Pasolini e Gregoretti; outros eram produtos oportunistas que reuniam realizadores e elenco de prestígio como chamariz do público, como “As Bonecas” (1965).
Allen amarra – frouxamente – seus episódios em torno da Cidade Eterna, mas esta resulta numa Roma para turista, estereotipada, sem alma. O melhor segmento, o do estudante de arquitetura  Jesse Eisenberg sendo seduzido por Ellen Page, como a amiga maluca de sua namorada; é cópia de “Igual a tudo nessa vida”, incluindo o conselheiro vivido por Alec Baldwin, que no outro filme era vivido pelo próprio Allen.
O episódio mais fraco é, de longe, o do casal interiorano, justamente  que remete mais á comédia de costumes clássica italiana. À exceção de Penelope Cruz, os demais atores estão mal dirigidos, talvez por causa da barreira do idioma, desperdiçando um enredo que poderia ser melhor. Destaque para a rápida aparição de Ornella Muti, ex-musa de Marco Ferreri, inesquecível em “Crônica do amor louco” (“Love”, diria o recém-falecido Ben Gazzara, com Ornella debruçada na janela...).
Para finalizar, a idade tirou a graça de Allen como comediante, algo que já dava para notar em “Scoop” (2006), sua aparição anterior como ator, uma pena, já que ele foi um dos grandes do humor verbal americano.  Ao mesmo tempo, Roberto Benigni continua previsível e sem graça.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Gore Vidal (1925-2012)


Gore Vidal, ou Eugene Louis Vidal, falecido ontem aos 86 anos, era um dos meus escritores favoritos. Nem tanto por seu estilo ou particular talento literário, mas por ser um escritor de ideias. Praticamente todos seus romances e novelas carregam suas convicções sobre política, o ser humano, história em geral (grande parte de sua produção são romances históricos) e, principalmente sua amada América. Vindo de uma família da aristocracia ianque: um de seus primos é o ex-vice e candidato a Presidencia derrotado, Al Gore; seu avo, Thomas Gore, foi senador por Oklahoma e aparece em diversos de seus livros como personagem, e sua irmã por afinidade, Jacqueline Bouvier, ficou famosa com o sobrenome Kennedy, depois, Onassis.
Paulo Francis dizia que ele era um tory (apelido dos conservadores ingleses) anarquista. Homossexual assumido (seu primeiro romance de sucesso, The City and the Pillar, uma ode ao amor que – na época - não ousava dizer seu nome, causou escândalo e sensação nos anos 50), tinha horror a manifestações do tipo Parada Gay; frequentador das altas rodas políticas, era feroz crítico do bipartidarismo americano, que dizia ser um partido único com duas alas direitistas. Mas foi acusado de racista, antissemita e outras coisas por conta de suas posições pessoalíssimas. Por exemplo, achava que drogas deviam ser liberadas por dizer respeito à saúde pessoal (se fossem liberadas, o tráfico deixaria de ter sentido)  mas que por um filho no mundo, por conta das consequencias para a comunidade, deveria ser mediado pelo estado, ou pela sociedade. É mole ou quer mais?
Ele acreditava que a civilização judaico-cristão havia destruído o humanismo já existente na Antiguidade, e ele defende essa tese em “Juliano”, romance histórico sobre a vida do imperador romano de mesmo nome, que passou a História como “O Apóstata”, por ter tentado trazer de volta os rituais pagãos, na contramão se seus antecessores, Constantino entre eles. Mas era tarde demais para os mistérios de Elêusis (que Vidal recria com emoção, embora ninguém saiba ao certo como eram os ritos de iniciação), a rica Mitologia Greco-Romana e, principalmente, as seitas concorrentes do Cristianismo, Mitra e Ísis. Em “Criação”, ele leva a ação para o fundamental século V a.C. no qual, no período de uma vida humana co-existiram Zoroastro (ou Zaratustra), Dario (o Grande), Temístocles, Buda, Jina (fundador do jainismo, culto seguido por Gandhi), Lao-Tsé, Confúcio, Péricles, Sócrates, Heródoto e Tucídides, entre outros. O autor faz com que eu protagonista, o persa Ciro Spímata, conheça todos esses personagens, que fundamentam quase todo o saber civilizado de hoje. Ele é um neto de Zoroastro, que cresce na corte de Dario, torna-se amigo de Xerxes, e é enviado em missões à India e depois á China. Ele termina a vida como embaixador da Pérsia em Atenas, algo parecido como ser o representante do Kremlim em Washington. Em suas andanças pelo Mundo Antigo ele conhece o Zoroastrismo, o Budismo, o Jainismo e o Taoísmo, mas se encanta mesmo com Confúcio, o primeiro pensador político. O Confucionismo é menos uma religião e mais uma doutrina de organização social e política, que ora era aplicada, ora erradicada pelos mandatários de plantão no Império do Meio, mas que de certa forma explica a coesão da China desde então, fazendo desse país a mais antiga civilização contínua do mundo.
Em 1967 inicia suas Narrativas do Império (certamente, ele nem sabia que faria uma série tão longo, tanto é que ela foi escrita fora da ordem cronológica), com Washington D.C., que seria o sexto de sete livros da série. Depois dele vieram (pela sequencia de publicação) Burr (1973), 1876 (1976), Lincoln (1984), Império (1987), Hollywood (1990) e A Era de Ouro (2000). A ordem histórica seria Burr (que conta a história de Aaron Burr, veterano das Guerra da Independência, terceiro vice-presidente dos EUA e que ficou famos por matar Alexander Hamilton, um dos líderes da Revolução Americana, num duelo), Lincoln (sobre a Presidência de Abraham Lincoln), 1876 (ano do centenário da Independência, das eleições mais fraudulentas das história e do massacre do General Custer), Império (sobre o nascimento do império americano ultramarino com a guerra contra a Espanha), Hollywood (que trata da entradas dos EUA na I Guerra Mundial e a nascente indústria do cinema), Washington D.C. (que aborda os anos pré-II Guerra Mundial) e A Era e Ouro (que abarca o pós-guerra e o surgimento da superpotência americana).
Apesar de serem em geral livros deliciosos de se ler e muito instrutivos sobre a Matriz do Norte, Paulo Francis, seu maior divulgador no Brasil, considera todos eles literatura de segunda, preferindo suas incursões não-realistas em Myra Beckenbridge (de 1968, que resultou num filme desastroso com Rachel Welch) e Dulluth (1983). Desse estilo também fazem parte Myron (1974, continuação de Myra), Kalki (1978),  Ao vivo do Calvário (1992) e Fundação Smithsonian (1998). Todas satirizam o american way of life com altas doses de sarcasmo e cinismo de quem viveu a Era de Ouro americana, que foi do final da II Guerra até o dèbâcle no Vietnã, como membro da elite, jovem promessa literária e integrante da Camelot de John Fitzgerald Kennedy. O que veio depois foi só o horror.
Seus ensaios discorrem sobre isso. A primeira coletânea deles publicada – e organizada – no Brasil foi De Fato de de Ficção, em que pela primeira vez conhecemos essa face do escritor que até então só conhecíamos como romancista. Entre suas teses polêmicas, estava a de que, após o advento do cinema falado, o roteirista é que passou a ser o verdadeiro autor dos filmes. Para confirmar a tese, ele contava sua experiência em Hollywood, como escritor de Bem-Hur, em que para explicar o ódio de Messala contra o ex-amigo Ben-Hur (supostamente, apenas por este se negar na campanha de romanização da Judéia), ele sugeriu um caso amoroso entre os dois na juventude, tudo nas entrelinhas para não escandalizar a classe média e o protagonista Charlton Heston. O diretor William Wyler acabou topando com a ressalva de que nunca deixasse “Chuck” (Heston) saber disso. Quando vemos o filme sabendo desse contexto, tudo parece muito óbvio, com a cumplicidade do intérprete de Messala, Stephen Boyd, que, como escreve Vidal “sempre que olhava para Ben-Hur, parecia um homem faminto vislumbrando um jantar através de uma vidraça”. Vidal acha que até a morte Heston não se deu conta, mas Pedro de Queiroz refuta, citando a cena do reencontro, em que os olhos dos dois brilham como dois namorados.
O escritor este no Brasil em 1987, a convite da Companhia das Letras, e eu estive na palestra que ele deu no Masp. Uma das piadas era um aviso repentino de que ele acabara de receber a notícia de que a biblioteca do presidente Ronald Reagan tinha pegado fogo. “E ele nem tinha acabado de colorir os dois livros”, emendou rápido. Se Vidal desprezava Reagan, passou a odiar George W. Bush depois do 11 de setembro, acusando-o de usar o pânico gerado pelos atentados de 11 de setembro para jogar a Constituição no lixo. Foi uma voz solitária em meio aos discursos patrióticos em toda a mídia, que o jogou no ostracismo. Onze anos depois, quem estava certo afinal de contas?

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Os “ensinamentos” de Steve Jobs


Se em vida, Steve Jobs foi uma lenda da inovação tecnológica, após a morte virou uma espécie de divindade da área da administração e gestão. Basta ir a qualquer livraria que podem ser encontrados incontáveis volumes que usam seu nome em vão, mas não se engane: o único indispensável é a biografia – quase oficial – de Walter Issacson, que saiu logo após a morte do CEO da Apple. É quase oficial porque, embora encomendada pelo próprio Jobs (que com seu aval permitiu ao escritor acesso a pessoas que dificilmente concederiam entrevista), o biografado não aprovou nem leu o resultado final, para que o livro fosse o mais isento possível. Isso é extraordinário para alguém sabidamente controlador, mas pode ser compreendido quando conhecemos o drama vivido por ele a partir do diagnóstico de câncer.
Para quem se sentir atraído por algumas das opções de leitura mais baratas, um alerta: não existe lição em administração a ser aprendida com Steve Jobs, a não ser negativa. Seu sucesso é resultado de inteligência e personalidade únicas, dentro de um contexto histórico específico.
Antes dos 30 anos, Steve Jobs já era uma lenda do Vale do Silício, graças à revolução do Apple II, que praticamente criou o mercado de computadores pessoais, algo restrito a nerds (geeks) mas que hoje é um eletrodoméstico tão difundido quanto a máquina de lavar roupas. O Macintosh inovou com a interface gráfica e o mouse, conceitos vencedores, mas foi superado pela Microsoft em marketing e devido a diversas falhas do projeto, como a falta de memória, que obrigava o usuário a gravar seus trabalhos em disquetes. Fora da empresa, comprou a divisão de animação digital da Lucas Film para transformá-la na Pixar. Em seu segundo turno como CEO da Apple, primeiro salvou a empresa da falência lançando o Power Mac e iMac, e depois revolucionou a indústria da música com o i-Pod, depois a telefonia móvel com o i-Phone, e finalmente lançar o que pode ser a pá de cal na mídia impressa com o i-Pad (Isso merece um post à parte).
A espetacular saída de Jobs da empresa que criou junto com o amigo e geek supremo Steve Wozniak, pelas mãos de John Sculley, o executivo que lutou para tirar da Pepsi para comandar a Apple (“Você quer passar o resto da vida vendendo água adocicada ou quer uma chance de mudar o mundo?”, foi o lendário desafio lançado por Jobs a Sculley) é contada em todas as etapas e com depoimentos dos principais envolvidos.  Issacson, embora fã do seu biografado, não esconde seu péssimo gênio (destratava subordinados constantemente), sua falta de consideração com as pessoas (demorou anos para reconhecer sua primeira filha) e mesmo sua falta de escrúpulos (conspirava constantemente contra colegas). O que não o coloca em pé de igualdade entre os capitalistas inovadores.
Thomas Alva Edison foi um gênio inquestionável no ramo das invenções, mas foi um empresário ganancioso e inescrupuloso. Ao perder para Nicola Tesla na questão corrente contínua (Edison) x corrente alternada (Tesla), passou a perseguir o adversário até levá-lo à ruína. Hollywood surgiu graças a Edison por que ele detinha a patente do kinetoscópio, que embora muito diferente do cinematógafo dos Lumière, lhe permitia cobrar royalties da indústria começava a engatinhar nos EUA. Por isso, os primeiros produtores resolveram fugir para a ensolarada Califórnia, onde, além de não ter de pagar para Edison, podiam filmar o ano todo. Henry Ford, o inventor da linha de produção que tornou o automóvel um produto popular, além de ser implacável com grevistas (mandava seus seguranças particulares mandar bala nos piquetes, sob olhar complacente das autoridades constituídas) era anti-semita militante, que nutria simpatia por Adolf Hitler. Ambos deixaram empresas que sobrevivem até hoje, a General Eletric e a Ford Motors. Essa era uma das ambições de Steve Jobs; deixar um legado, uma companhia que sobrevivesse a ele, não importando os corpos que fossem deixados pelo caminho.