terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Excelente texto publicado no Terra

"Gelo e limão, senhor?"

Rui Daher
De São Paulo

Não sou especialista a ponto de saber se o setor de bares e restaurantes poderia ser incluído na categoria de agronegócios. É um serviço realizado fora das porteiras das fazendas, a partir de produção que sai de seus interiores. Mas confesso não me lembrar de cardápio ou lousa escrita a giz com ofertas que não fossem de origens vegetal e animal.

Sendo assim, eles sabem muito bem o quanto pagam pelas matérias-primas e podem usá-las para referenciar suas planilhas, agregarem os demais custos, margens de lucros, e estabelecerem os preços em seus cardápios.

Não é isso, no entanto, o que parece quando você ousa uma aventura pelas casas de repasto. Não me refiro às muito estreladas, Fasanos, Atalas ou Jacquins, que acrescentam a seus preços os espaços que ocupam na mídia e o ego de seus chefs. Incomensuráveis, portanto.

Penso naqueles restaurantes e bares médios que, mesmo com "sérias restrições orçamentárias", você arrisca visitar em ocasiões especiais. Desatinos provocados por convites, indicações, ou curiosidade: "comi uma massa deliciosa num restaurante de Pinheiros, você vai adorar". Não pergunto se os preços são razoáveis. Diz a teoria da relatividade que os processos físicos dependem do estado de movimento dos instrumentos de medição em relação ao objeto. No caso, o bolso.

Na semana passada, caí numa dessas. Como o local não estava nos guetos do luxo da cidade, otimista, segui, e logo me deparei com a faca hedionda, a que te enfiam quando cobram um prato de macarrão - pois é disso que se trata - R$ 45,00.

Não pensem que fiz a escolha mais cara. Todas as massas custavam acima de 40 e algumas passavam da meia centena de reais. Nem imaginem que trufas escandalosamente raras faziam parte do prato, ou que os poucos gramas de queijo mascarpone e as três lascas de prosciutto que encimavam o fino spaghetti di grano duro haviam sido trazidos da Itália pelo rapaz que no fim de semana agrediu Silvio Berlusconi.

Todos são ingredientes que podem ser encontrados nos bons empórios a preços provavelmente mais caros do que os pagos aos fornecedores dos restaurantes.

Fiz questão de repetir o prato em casa, para quatro pessoas, mantendo a proporção do que me foi servido no restaurante. Receita simples, sem segredo de chef, o resultado saiu igual. A exceção foi o gasto. Doze reais, ou três reais por pessoa. Ou seja, a preços de varejo, a matéria-prima que estava em meu prato não chegava a representar 7% do que me foi cobrado.

Sei, sei, bares e restaurantes pagam formidáveis salários a seus empregados, cumprem à risca a escandinava carga tributária do país, precisam repor as peças quebradas pelos descuidados funcionários, itens que não entraram em meu custo caseiro. Penso que nem no deles.

Os bons restaurantes da cidade, em geral, não seguem planilhas de custos, mas sim os preços de seus similares acrescidos da pretensão de cada um: "tal casa está cobrando entre 35 e 40 reais um prato de massa, mas a 'nossa' é mais 'al dente', a louça mais bonita, a hostess mais simpática, daí podermos cobrar entre 40 e 45 reais" . E de subida em subida na escala bonita e gostosa, os preços vão aumentando através de comparações empíricas. O raciocínio serve para carnes, peixes, saladas, o que for.

A agropecuária poderia fazer o mesmo. "O meu rebanho está com um brilho mais intenso do que o dos vizinhos, vou aumentar 5% o preço da arroba; o agrônomo que recomendou o manejo da minha lavoura de feijão tem pós-doutorado na ESALQ, posso cobrar o dobro pela saca" .

Bom, não?

Rui Daher é administrador de empresas, consultor da Biocampo Desenvolvimento Agrícola.

Nenhum comentário: