Este ano se completam os 35 anos do lançamento de “Star Wars
– Episódio IV”, na época ainda “Guerra nas Estrelas”, e os 30 anos de “Blade
Runner”, cujo subtítulo brasileiro, “Caçador de Andróides”, foi rapidamente esquecido.
O impacto do primeiro foi gigantesco na época do lançamento,
a ponto de se considerado um turning point da indústria de Hollywood, enquanto
o segundo só conseguiu construir sua reputação ao longo dos anos, já que foi um
retumbante fracasso na estreia. Uma das vantagens de ser um velho é ter
assistido ao lançamento dos dois no cinema, duas das mais expressivas
experiências cinematográficas em minha vida de cinéfilo.
Há muito tempo, numa galáxia distante
Poster que foi usado no lançamento no Brasil |
A única coisa que vi que mais ou menos reproduz o impacto
que foi “Guerra nas Estrelas” em seu lançamento no cinema foi um episódio de
“That’70s Show”, em que o bando de Eric Forman fica boquiaberto na abertura do
filme. Nunca antes no cinema uma nave espacial demorava 30 segundos para passar
pela tela. Até então, as espaçonaves do cinema eram maquetes do tamanho de
pratos, que cuspiam fagulhas pela cauda, imitando a propulsão de foguete.
George Lucas inovou com seus modelos enormes, cheios de detalhes, que davam uma
sensação de realismo inédita até então (Ok, no espaço, o som não se propaga,
mas quem estava prestando atenção nisso?). Sem falar na criação de um dos melhores vilões de todos os tempos: Darth Vader, com sua máscara com frente de carro esporte, capacete de nazista, respiração de asmático e sempre à bordo de seu pretinho básico.
Que garoto não sonhava com uma aventura que misturasse capa
e espada, aventuras espaciais e até um toque de samurais? Além da Ordem Jedi
ser uma mistura de Cavaleiros Templários com filosofia zen, e seu estilo de
luta lembrava mais os duelos de guerreiros japoneses, uma das inspirações
confessas de Lucas foi o filme “A Fortaleza escondida”, de um jidai gekki
(filme da época dos samurais) de Akira Kurosawa. E onde Star Wars se parecia
com essa produção nipônica? Porque a história era narrada seguindo a trajetória
de dois personagens periféricos na grande trama principal, no caso, os dróides
C3PO e R2D2.
Lucas ainda seguiu as diretrizes do mestre Joseph Campbell a
respeito dos mitos, e criou uma mitologia própria que é seguida com fervor até
hoje, em pleno século seguinte. Fez a ficção-científica voltar à ordem do dia –
foi indiretamente responsável por levar o seriado “Jornada nas Estrelas” ao
cinema – e fez com que o foco das grandes produções se voltasse ao público
adolescente, a ponto de, nos anos 80, Paulo Francis parodiar a célebre frase
“não confie em ninguém com mais de 30 anos” com “a Hollywood de hoje não confia
em ninguém com mais de 15 anos de idade mental”.
Recentemente, relançou o "Episódio 1" em 3D, numa tentativa de apresentar sua saga às novas gerações. Não cheguei a ver porque tinha acabado de rever o filme na TV por assinatura, e a cada revisão ele fica pior. A explicação dada para incluir os dróides é estúpida. No primeiro filme, quando eles são capturados pelos Jawas, dá-se a entender que eles são artigos de ponta, e não velharias como seriam se tivessem mais de 20 anos de construção.
“Todas essas lembranças ficarão perdidas no tempo, como
lágrimas na chuva”
Logo que saí da sessão de “Blade Runner” no Cine Marabá, no
início de 1983, tive a certeza que tinha assistido uma obra-prima. Depois dessa
primeira vez, vi o filme 15 vezes, sem contar em vídeo. No final daquele ano,
ele já tinha status de cult, tendo sido eleito um dos melhores de 83 pela
enquete do Cinesesc – embora tenha estreado no Brasil em dezembro de 1982 – e estabeleceu o visual dark-gótico que predominaria naquela década
(com reflexos no cinema nacional, em filmes como “Cidade Oculta”).
Mas o que tornava “Blade Runner” tão bom? Ridley Scott e os
roteiristas David Peoples e Hampton Fancher transformaram a história de Philip
K. Dick numa distopia pós-apocalíptica urbana que falava fundo áqueles anos em
que o holocausto nuclear parecia inevitável (pouco tempo antes, o telefilme “O
dia seguinte”, sobre um ataque nuclear aos EUA, chegara a ser exibido nos
cinemas). 2019 parecia tão distante na época, mas os elementos urbanos do filme
– megacidades poluídas, com engarrafamentos eternos, habitadas por
trombadinhas, punks e hare krishnas – eram familiares ao público de 1982. Também
havia a influencia de "The Long Tomorrow", história em quadrinhos de Dan O’Bannon
em parceria com Moebius, que fornecia o clima de um film-noir sci-fi e o
desenhista o visual futurista pós-moderno, que inspirou ainda "O Quinto
Elemento", e virou um episódio do desenho "Heavy Metal".
"Blade Runner" foi o primeiro filme a ter um
"Director's Cut" lançado nos cinemas (depois virou "carne de
vaca"). Em 1989, um funcionário da Warner Bros encontrou nos arquivos uma
cópia da obra em 70 mm e, alguns meses depois, esses rolos foram exibido num festival
de filmes clássicos especificamente na banda de 70 mm. Para a surpresa de
todos, era uma versão diferente da conhecida, e logo gerou uma enorme
curiosidade entre os cinéfilos, que achavam ter encontrado a "versão do
diretor" (que sempre reclamou da narração em off - que Harrison Ford foi
obrigado a fazer a contragosto meses depois do fim das filmagens - e da
seqüência final feita a partir de cenas não aproveitadas de "O
Iluminado", ambas impostas pelo estúdio após as reações negativas do
público nas prévias). Ridley Scott foi ver e disse que não era a sua versão,
entretanto a onda sobre a cópia foi tanta que convenceu a Warner a relançar o
filme em 92 – 10º aniversário da versão original - com a edição do diretor.
A “versão final” de Scott, de 2007, não difere muito da de 92, embora a atriz Joanna
Cassidy tenha sido convocada para refazer sua cena de morte – que acabou saindo
mal-feita na primeira versão - , se fixando mais no aperfeiçoamento dos efeitos
visuais e em consertar certas incoerências do roteiro. Mas os questionamentos
sobre a condição humana, sobre a busca por Deus, a degradação do meio-ambiente
e até dos seres humanos por conta da poluição, clonagem de seres vivos e a
inviabilidae cada vez maior das grandes metrópoles mantém o filme interessante
mesmo passados um quarto de século. “Blade Runner” – junto com “Mad Max 2” –
ajudou a definir o visual da década de 80, com a poluição visual dos grandes
outdoors animados, fotografia escura, visual cyberpunk, as ombreiras da Rachel
e - o que foi mais evidente na época – a música de Vangelis. O “Tema de Blade
Runner” originou a praga do “saxofone de motel” por toda a década de 80,
culminando, é claro, no chatíssimo Kenny G. Mas foram as versões apócrifas e
semi-oficiais que fizeram sucesso, porque o músico grego se recusou a gravar
ele mesmo uma trilha oficial até 1994, com Dick Morrissey tocando o sax na
famigerada faixa.
Num futuro próximo – para nós – a Humanidade degradou tanto
o planeta que partiu em busca de novos mundos para habitar. Paralelamente
desenvolveu andróides biomecânicos para fazer o trabalho pesado, lutar por e
satisfazer sexualmente seus senhores. A última geração desses robôs - os Nexus
6 - é tão parecida aos humanos que apenas um teste emocional chamado
Voight-Kampf é capaz de identificá-los, além do fato de só viverem quatro anos.
Quando eles se rebelam, são proscritos da Terra e, se apanhados, são
sumariamente executados. Os policiais encarregados e perseguir e eliminar os
replicantes ilegais são chamados de blade runners.
Muito desse futuro ainda é distante de nós – colonização de outros
planetas, viagens espaciais que permitam isso, carros voadores – mas vários
aspectos nos são familiares – a degradação ambiental do planeta, megalópoles
inabitáveis, clonagem de animais e “asiatização” do mundo. Outra coisa que
causou impacto na época eram os detalhes contemporâneos, como a presença de
punks, hare-krishnas e publicidades de diversas marcas na época famosas
(curiosamente, muitas acabaram, como a Atari e a Pan-Am).
Outros detalhes muitas vezes despercebidos são bastante reveladores. Há os
famosos reflexos avermelhados nos olhos dos replicantes, o que inclui nos de
Deckard-Harrison Ford numa cena deste Final Cut, em que o diretor impõe de vez
sua versão de que o protagonista é um andróide. Além disso, enquanto todos os
replicantes são altos, fortes e bonitos (à exceção de Léo), os humanos do filme
são feios e deformados, o que não é o caso de Ford. O sonho do unicórnio –
introduzida ou recuperada na versão de 1992 – já era um indício de que Deckard
era um replicante e que Gaff (Edward James-Olmos) sabia.
A escalação do elenco é um caso à parte, especialmente a do protagonista
Deckard, mais um exemplo da sorte de Herrison Ford em ganhar grandes papéis de presente.
O personagem tinha sido pensado por Scott para seu amigo Michael Douglas, mas
quando este conseguiu grana para seu projeto “Tudo por uma Esmeralda” desistiu
de Deckart. A princípio, parecia que o filho de Kirk tinha se dado bem, já que
a cópia descarada de “Caçadores da Arca Perdida” foi um sucesso de bilheteria e
“Blade Runner” não. No entanto, hoje em dia ninguém mais tem vontade de ver as
peripécias dele, Kathleen Turner e Danny de Vito numa América do Sul de araque,
enquanto o sci-fi estrelado por Ford é relançado no mínimo uma vez por década.
O próprio Harrison Ford achou que tinha embarcado numa furada, pois já era uma
estrela importante, com dois Star Wars e “Os Caçadores da Arca Perdida” no
currículo. Passou todo o tempo brigando com o diretor e ficou furioso quando
foi convocado para fazer a narração em off meses depois do fim das filmagens.
Toda essa zanga e frustração é passada na sua atuação, que acabou ficando
perfeita no contexto da obra. Sua opinião sobre o trabalho foi mudando à medida
que o filme foi virando cult.. Quem não se cansa de elogiar “Blade Runner” é
Rutger Hauer: afinal é o filme que lhe abriu as portas em Hollywood e definiu a
persona cinematográfica que assumiria a partir daí. Era o favorito de Anne Rice
para ser seu vampiro Lestat no cinema, e a versão para a telona de 94 teria
sido outro com ele no lugar de Tom Cruise. Não consigo nem imaginar quantas
vezes os nerds nas convenções de sci-fi devem ter pedido para ele recitar sua
fala final: " I've seen things you people wouldn't believe. Attack ships on fire off the shoulder of Orion. I watched C-beams glitter in the dark near the Tannhauser gate. All those moments will be lost in time... like tears in rain... Time to die."
Das moças, quem se deu melhor
foi Daryl Hannah, que se tornou uma estrela importante e namorou John-John
Kennedy. Já decadente em 2004, Quentin Tarantino a fez repetir a morte de Pris
em “Kill Bill parte 2”. A Rachel que Scott criou sobre a bela Sean Young é uma
das imagens mais fortes do filme, mas a carreira da atriz não decolou. Quase
foi a Mulher-Gato de “Batman – O Retorno”, mas ao ser preterida por Michelle
Pfeiffer, foi ao set vestida como a personagem para confrontar o diretor Tim
Burton. Afinal, ela já havia perdido o papel de Kim Basinger no primeiro
“Batman” porque havia se ferido numa queda de cavalo. Joanna Cassidy já não era
uma novata, tinha estreado no ano de 1968 numa ponta em “Bullitt”, e foi a
única a participar fisicamente da edição final de 2007, para refazer a cena de
morte de Zhora, e ficou feliz ao constatar que ainda cabia no figurino de 30
anos atrás.
***
Em 2009, o site Total Sci-Fi Online elegeu “Blade Runner” como o melhor filme d ficção-científica de todos os tempos. A escolha aconteceu porque o longa teria um "senso real de tristeza, medo e anseios, e um amargo senso de humor". Além disso, eles também destacam as interpretações de Harrison Ford, como "um herói muito mais sombrio do que Han Solo" e de Rutger Hauer, no que é chamada de "a melhor performance de sua carreira". Resumindo, o filme é considerado uma obra-prima.
Blade Runner superou produções que fizeram muito mais sucesso na época de seus lançamentos, como Star Wars e ET. Veja abaixo a lista com os dez primeiros colocados:
1 – Blade Runner (1982)
2 – 2001: Uma Odisséia no Espaço (1968)
3 – Star Wars (1977)
4 – Alien (1979)
5 – Metropolis (1927)
6 – O Dia em que a Terra Parou (1961)
7 – O Exterminador do Futuro (1984)
8 – Planeta dos Macacos (1968)
9 – E.T. (1982)
10 – Solaris (1972)
Algumas curiosidades da lista:
·
Ridley Scott emplacou
dois filmes na lista do top 10, Blade Runner ( 1º) e Alien (4º);
·
Toda a primeira trilogia Star
Wars está entre os 100, o original ( 3º), O Império
contra-ataca ( 13º) e O Retorno do Jedi ( 35º).
Nenhum da segunda trilogia entrou no ranking.
·
James Cameron tem quatro
filmes na lista, O Exterminador do Futuro 1 (7º) e 2 (32º), Aliens ( 15º)
e O Segredo do Abismo (42º). Steven Spielberg também tem
quatro, ET ( 9º), Encontros Imediatos de Terceiro
Grau ( 11º), Jurassic Park (25º) e Minority
Report ( 57º). George Lucas, que não se considera um diretor, tem
o mesmo número de filmes arrolados: os três Star Wars originais
e THX 1138( 92º). Paul Verhoeven tem três trabalhos rankeados, O
Vingador do Futuro (20º), Robocop ( 24º) e Tropas
Estelares ( 76º). Stanley Kubrick tem dois, 2001(2º)
e Laranja Mecânica ( 27º), assim como Andrei Tarkovsky
com Solaris (10º) e Stalker ( 50º).
George Miller pos os dois primeiros Mad Max na lista, o II
em 34º (Uma injustiça, merecia colocação melhor) e o I em 70º.
Também com dois trabalhos entre os 100 estão Terry Gilliam, com Brazil ( 17º)
e Os 12 Macacos (83º); John Carpenter, com O Enigma do
Outro Mundo ( 23º) e Fuga de Nova York ( 52º);
e David Cronenberg com A Mosca ( 31º) e Videodrome ( 62º,
outra injustiça);
·
Dois filmes da série
original Star Trek estão entre os 100, o clássico A
Vinçança de Khan ( 19º) e A Terra Desconhecida ( 67º,
pra mim, faltou A Volta para Casa), mas também a reinvenção da franquia por
J.J. Abrahams, Star Trek ( 93º).
·
Os atores que mais aparecem
na lista são Harrison Ford com Blade Runner e os três Star
Wars; Arnold Schwartzenegger, nos dois primeiros Exterminadores mais
O Vingador do Futuro; Charlton Heston com O Planeta dos Macacos ( 8º), A
Última Esperança da Terra ( 49º) e No ano de 2020 ( 72º)
- sendos os tres bastante apocalipticos.
·
Apenas Wall-E ( 37º), Brilho
Eterno de uma Mente sem Lembranças ( 45º),Minority Report, A
Fonte da Vida ( 60º), Filhos da Esperança ( 66º), Donnie
Darko ( 71º), Moon ( 74º), O Homem
Duplo ( 77º), Serenity ( 88º), Primer (90º,
inédito aqui) e Star Trek são deste século.
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