sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O amanhã como reflexo do presente



No princípio, a ficção-científica como proposta por Julio Verne era a projeção do extraordinário progresso científico do século XIX, quando parecia que a Revolução Industrial estava destinada a acabar com as misérias humanas, ilusão que acabaria de vez nas trincheiras da I Guerra Mundial. Mas um vitoriano já não compartilhava do otimismo do francês, H.G Wells, autor de A Máquina do Tempo, que criou um futuro distante em que duas raças descendentes do Homo sapiens seriam predador e presa uma da outra, numa metáfora da luta de classes então em curso na Europa.


No cinema, a ficção-científica surge nas ingênuas pantomimas de George Mélies, que usa como base o próprio Julio Verne em Viagem à Lua. Durante quase toda a primeira metade do século passado, o gênero se pautou pela fantasia de Flash Gordon ou projeções de um futuro clean para a humanidade. Depois da II Guerra Mundial, tudo mudou.


A Guerra Fria e a ameaça nuclear criou monstros das mais diversas formas e o advento da mitologia dos discos voadores criou os aliens invasores, muitas vezes, metáforas de uma ameaça externa muito mais próxima, como em Vampiros de Almas, de Don Siegel, em que americanos pacíficos e individualistas eram substituídos por cópias vegetais coletivistas. “Eles estão chegando!”, era o alerta dirigido aos espectadores no final do filme. Pior que uma invasão alienígena, o fim do modo americano de vida parecia então muito mais ameaçador.


O seriado Jornada nas Estrelas se especializou em fazer de outros planetas cópias alternativas da Terra, que colocavam em evidências problemas da Humanidade, como o racismo, o autoritarismo x democracia (num episódio, um historiador terráqueo adota o modelo nazista para uma raça que vivia uma crise econômica) e as alternativas históricas, como no clássico Cidade á Beira da Eternidade, em que uma pacifista deve ser sacrificada para que Hitler não vença a guerra.


Em 1973, Richard Lester filma No Mundo de 2020 (foto), uma distopia que adiantava problemas que viraram moda a partir da constatação do aquecimento global como realidade, tendo como conseqüência mais grave uma crise mundial de alimentos, que faz com que a maioria da população só tenha acesso a uma fonte de proteína para sobreviver, um composto cuja matéria prima são cadáveres humanos.


Esse cenário de um mundo futuro em desconstrução por causa dos erros cometidos no presente teria em Blade Runner (1982) o modelo mais acabado. Em meio a uma tecnologia capaz de levar o homem a outros planetas, convive-se com o caos urbano, poluição e degradação do meio ambiente. Todos os personagens humanos são mirrados, feios e deformados, enquanto a maioria de seus servos replicantes são altos, belos e fortes. Ah, mas tem o mocinho Harrison Ford. Bom, que versão do filme você assistiu?


Distrito 9
segue essa tradição, sem qualquer sutileza, como observa Isabela Boscov, da Veja, impactando o espectador com imagens da intolerância e segregação aos aliens mantendo um pé na realidade: as principais locações são favelas reais de Johanesburg. O próprio nome, Distrito 9, é inspirado no Distrito 6, região da cidade sulafricana em que se localizava o famoso bairro negro de Soweto.

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