terça-feira, 16 de março de 2010

Carta (e-mail) de um velho amigo

Rapaz, este negócio do assassinato do Glauco bateu fundo na geração dos 80. Foi como se a década (e suas boas lembranças) recebessem uma pá de cal. Acabou, de fato.
O Wilson e eu sempre encontrávamos com ele (ou era o Laerte? Ou seriam a mesma pessoa?) na Vila Mada d’antanho, quando íamos a pé de bar em bar...

A década de 80, onde o rock, de fora na maioria, mas também o nacional, era a referência, acabou quando chegou o Axé, lembro de 1992 (e não 1994, como quer a Folha), meu último ano de Sampa. Lembro bem de uma colega de trabalho que volta de um show sensacional (segundo ela) no Masp, hora do almoço, de uma novata, Daniela Mercury. A partir daí o mercado se dividiu entre o Axé (do qual podemos dizer, como Levi-Strauss, que chegou à decadência sem ter conhecido muita qualidade...), o pagode e o sertanejo, algumas vezes misturando tudo (caso típico em que o todo é bem pior que a soma das partes), e se apoiando na massa de adolescentes consumidores néscios (de são paulo, a princípio, que iam passar férias na Bahia e se rendiam à música, e depois do Brasil todo) e TV unidimensional . Depois tivemos Carla Peres, Tchan, e outras misérias (time do Palmeiras-Parmalat, declínio inexorável do Mengão, neoliberalismo, privatizações, desemprego, ascensão irresistível do “Empresário”, do “consultor”, do “economista” e de yuppies incultos e agressivos em geral, além dos plásticos chineses, da estatística no futêbol, do comentário de arbitragem, do jornal colorido, ...). Minha observação (imparcialíssima, tal como a Veja) é que ninguém, digo , NINGUÉM que tivesse a formação musical iniciada via mídia neste período tem ouvido bom, ou padrão algum. Tive ao menos a sorte de acompanhar a débâcle olhando do Leblon (irreconhecível de tão yuppie, hoje). A tríade nacionalista de nossa formação “futibol-mulher bôa-samba” foi substituída gradativamente pelo “futêbol-cachorra-pagode”, e daí fomos ladeira abaixo. Quem viveu e se divertiu nos 80, como nós, não deixa escapar um suspiro saudosista quando vemos o tamanho da devastação cultural desde então. Mas o mercado cresceu, temos uma nova classe média, o Brasil é reconhecido no mundo, ganhamos o penta, etc, etc

***

Japs - José Antônio Pereira de Souza - é um dos meus amigos mais inteligentes e, como todo mineiro, assim que teve chance migou para o litoral, como fazem os lemingues. No caso dele, Rio de Janeiro. Passei horas agradáveis em sua bibloteca montada quase inteiramente em sebos de Pinheiros e seu antigo apartamento no bairro é até hoje meu domicilio eleitoral, onde nos reuníamos durante a lei seca eleitoral para, naturalmente, enchermos a cara.

5 comentários:

Marcia disse...

Querido Kimura,

também fiquei arrasada com a morte do Glauco. Eu também já tomei umas e outras com ele lá no Longchamp (lógico que ele nem sabia quem eu era), mas eu sabia muito bem quem era ele e admirava muito.

Quanto ao JAPS, também é amigão do peito. Só que agora ele migrou pro planalto central, onde moram aquelas raposas velhas... Pelo menos deve ser divertido olhar o zoológico todo dia.

Beijão,

Marcia

mineiro disse...

Kimurinha: o Glauco (Geraldão) foi um bebum incrível, capaz de jogar pebolim num estado etílico (com adendos) capaz de derrubar um boi, frequentava os piores lugares de São Paulo, por isso nos encontrava amiúde, infelizmente aderiu a vida religiosa (a seu favor pode-se dizer que religiosa, mas com Daime), e isto é muito perigoso, como todos sabem. O Laerte, que eventualmente bebia com ele, é mais introspectivo e, aparentemente, menos espalhafatoso, embora tão genial quanto o primeiro e pai de "Deus" (série imperdível.
Quanto a vivência cultural dos anos 80, parece que a perdi num bar destes, já que nas festas se escutava Paulo Ricardo e "chacoalhava-se os ossos" (Márcia e Kimura especialmente) ao som de qualuqer coisa. Também sentávamos em qualquer boteco, conversando de qualquer coisa e conversávamos como o vendedor do "marcianinho erótico. Havia tanto 'samba-futibol e mulher boa' em Sampa, na baixa "vila madá", quanto na horta de minha avó em Borda da Mata.
A posteriori, corremos o risco de achar até a Kaiser boa.
Inté,
Mineiro

Marcia disse...

Querido Mineiro,

fale por si a respeito de se chacoalhar os ossos com qualquer coisa. Dançávamos ao som de música muito boa para dançar (e outras também boas de se escutar): Rolling Stones, Bob Marley, The Police, The Clash, Frank Zappa, The Cure, Smiths, Paralamas, Tim Maia, Jorge Ben e tantos outros...
A saudade não é só da qualidade do que a gente consumia na época, é dos amigos que a gente encontrava, dos papos divertidos que a gente batia, da discotecagem do Kimura e dos seus olhinhos bem fechados no fim da festa. A cerveja é o que menos importa. Hoje em dia nós, quarentões, podemos pagar e aprimoramos o paladar. Bebemos só cerveja boa, vinho ou whisky. Mas ainda nos lembramos daquela época. Que bom ter lembranças e histórias para contar.

Beijos saudosos,

Marcia

Kimura disse...

Caríssimos, amigos, nem imaginam como fico feliz com os comentários de vocês, a quem não vejo há anos. É triste que só a morte faz com que façamos contato, e por esse mal batucado blog. Saudades de todos vocês.

Kimura

ARABACI disse...

Que bom saber dos dois - Marcia e Mineiro (este não vejo há muitos anos)! Grande abraço,

Araba