terça-feira, 15 de maio de 2012

Abolição


Por Marcos Kimura (com informações da Agência Estado)

O rapper Emicida – que será uma das principais atrações da Virada Cultural Paulista em Indaiatuba, no próximo final de semana – foi preso domingo passado em Belo Horizonte, acusado de desacato à autoridade durante um show. O motivo foi que  antes de cantar a música “Dedo na Ferida”, que abriu o show, ele chamou a atenção do público: "Antes de mais nada, somos todos Eliana Silva, certo? Levanta o seu dedo do meio para a polícia que desocupa as famílias mais humildes, levanta o seu dedo do meio para os políticos que não respeitam a população e vem com 'noiz' nessa aqui, ó. Mandando todos eles se fu..., certo, BH? A rua é 'noiz'". “Eliana Silva” é o nome dado à invasão de um grupo de famílias sem-teto a um terreno em Belo Horizonte. As pessoas que estão nessa área estariam sendo impedidas de manter contato com quem se encontra fora dela. O espaço começou a ser desocupado na manhã de sexta-feira (11).
Os policiais militares que prestavam serviço no local consideraram o gesto ofensivo e encaminharam o cantor para o 39º DP por volta das 19h30. Ele foi liberado três horas depois sem assinar o Boletim de Ocorrência, acusando erro nas informações prestadas pelos PMs.
Ao sair da delegacia, Emicida foi abordado pela reportagem da TV Record e se mostrou abalado com a situação. "Dia 13 de maio de 2012, dia da Abolição da Escravatura. Dia em que um negro foi preso por cantar uma música", disse.
A coincidência do episódio ter ocorrido no dia 13 de Maio reforça o caráter preconceituoso da ação policial. Se no lugar de Emicida estivesse um medalhão branco da MPB – como Caetano ou Chico Buarque – ou mesmo um negro “institucionalizado” – como o ex-ministro Gilberto Gil – , os PMs teriam a mesma atitude? Claro que não.
Emicida é um dos grandes nomes do rap nacional, só que isso não é música para muita gente – inclusive para a tradicional Polícia Mineira, que já foi gíria para “grupo de extermínio”. Particularmente, não sou fã dele – no gênero, prefiro Racionais MC e até Pavilhão 9, que ressuscitou mês passado no Lollapalooza. Mas o direito do artista à expressão é uma das principais e mais duradouras conquistas do processo de redemocratização do Brasil. Não pode ser questionado nem pelo gosto musical, nem pela vaga alegação de “desacato à autoridade”.

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