segunda-feira, 14 de maio de 2012

Leituras: "Carmen"


por Marcos Kimura

Acabei de ler “Carmen”, de Ruy Castro, livro que me foi presenteado pela amiga Natalia Ohori (na verdade, um vale da Nippon Livraria, mas que foi muito bem aproveitado).  O livro é de 2005 e é a única das biografias de fôlego do autor que ainda não tinha lido. Uma pena, porque quando ele esteve aqui em 2010, não pude comentar uma passagem da biografia: "Ainda em 1952, o diretor brasileiro Alberto Cavalcanti, muito respeitado na Europa, convidou Carmen a fazer um filme com ele e voltar a filmar no Brasil. Prometeu-lhe um papel sério num filme da Vera Cruz, Terra é sempre terra. Carmen pensou com carinho na proposta, mas Cavalcanti logo deixaria a Vera Cruz e se esqueceram de Carmen. O filme foi feito com Marisa Prado no papel." (Página 488) “Terra é sempre terra” foi filmado em Indaiatuba, e algumas passagens mostram a estação ferroviária e o Bar do Paulito original. A principal locação é a Fazenda Quilombo.
Castro tenta fazer por Carmen Miranda o que “Chega de Saudade” fez pela Bossa Nova e “O Anjo Pornográfico” fez por Nelson Rodrigues: resgatá-la e recolocá-la na ordem do dia. Certamente fez com que muita gente descobrisse “a brasileira mais famosa do século XX” (como está na capa), mas não a ressuscitou para o século XXI.
Durante sua passagem por Indaiatuba há dois anos, ele contou a este repórter que “Carmem salvou minha vida”. “Eu estava na página 77 do livro quando resolvi ir ao médico para ver uma coisa que estava me incomodando na garganta”, relatou quando foi indagado a respeito da frase. Era um câncer na base da língua. O tratamento era a base de radioterapia e quimioterapia. “Quando o médico me deu o diagnóstico e o que eu teria que fazer para me curar cheguei a dizer ‘isso pode atrasar o livro’”, brinca.
Quando o cirurgião recebeu “Carmen: Uma Biografia” naquele mesmo ano, disse ao autor: “um tratamento como o seu é para durar um ano, se você não fizer mais nada. Um livro desses é para levar no mínimo um ano, se você não fizer mais nada na vida. Como é que você conseguiu fazer as duas coisas?” “É que o senhor não disse que era impossível”, respondeu. O lançamento a toque de caixa se deveu também à editora, que fez questão de fazer com que o autor tivesse o trabalho em mãos... antes que algo acontecesse a ele. Segundo ele, a velocidade com que ele foi editado fez com que muito material, principalmente imagens, ficasse de fora. Por isso seu próximo projeto seria um novo volume ilustrado sobre Carmem Miranda (até aora, nem sinal desse volume).
Por meio de Carmen Miranda, Ruy Castro percorre o fim da monarquia em Portugal, com o assassinato do rei que precipita a viagem da família da cantora para o Brasil; a vida no Rio de Janeiro da Velha República, que significativamente termina ao som de “Pra você gostar de mim (Tah-í)”, sucesso do carnaval de 1930 que acompanhou a cantora por toda sua vida, como uma espécie de prefixo.  Segue pela primeira década do governo de Getúlio Vargas, quando ela se consagra como a principal intérprete do País (deixando bem para trás Francisco Alves e Sylvio Caldas) até o embarque para os Estados Unidos, que é quando começa a grande aventura de Carmen Miranda. Castro descreve o inacreditável sucesso que ela atingiu no maior mercado do show biz, mas também a rotina massacrante a que foi submetida, primeiro na Broadway, e depois em Hollywood, e que acabaria sendo mais que seu ganha pão. No final da vida, presa a um casamento sem amor e já sem a perspectiva de ser mãe, a sucessão de apresentações por quase todos os Estados Unidos, inclusive o Havaí, tornou-se sua única razão de viver. Quando começou a perder até isso, o tic-tic-tac do seu coração parou de repente.
Como todos os livros de fôlego do autor, a pesquisa abrange todas as fontes disponíveis, conversas com quase todos os amigos e familiares vivos, e mesmo quem só a conheceu rapidamente, tudo temperado pelo humor que caracteriza seu estilo.

Um comentário:

Eliana Belo disse...

Já queria ter lido, mas foi ficando para trás e, agora após sua resenha, vou ler! Estou com saudade de você na Tribuna!

(ai caramba, tem um negócio aqui em baixo escrito "prove que vc não é um robô"). Achei engraçado... digitei tanto hoje, que acho que eu sou um robô, sim!