por Marcos Kimura
Acabei de ler “Carmen”, de Ruy Castro, livro que me foi
presenteado pela amiga Natalia Ohori (na verdade, um vale da Nippon Livraria,
mas que foi muito bem aproveitado). O
livro é de 2005 e é a única das biografias de fôlego do autor que ainda não
tinha lido. Uma pena, porque quando ele esteve aqui em 2010, não pude comentar
uma passagem da biografia: "Ainda em 1952,
o diretor brasileiro Alberto Cavalcanti, muito respeitado na Europa, convidou
Carmen a fazer um filme com ele e voltar a filmar no Brasil. Prometeu-lhe um
papel sério num filme da Vera Cruz, Terra é sempre terra.
Carmen pensou com carinho na proposta, mas Cavalcanti logo deixaria a Vera Cruz
e se esqueceram de Carmen. O filme foi feito com Marisa Prado no papel."
(Página 488) “Terra é sempre terra” foi filmado em Indaiatuba, e
algumas passagens mostram a estação ferroviária e o Bar do Paulito original. A
principal locação é a Fazenda Quilombo.
Castro tenta fazer por Carmen Miranda o que “Chega de
Saudade” fez pela Bossa Nova e “O Anjo Pornográfico” fez por Nelson Rodrigues:
resgatá-la e recolocá-la na ordem do dia. Certamente fez com que muita gente
descobrisse “a brasileira mais famosa do século XX” (como está na capa), mas
não a ressuscitou para o século XXI.
Durante sua passagem por Indaiatuba há dois anos, ele contou a
este repórter que “Carmem salvou minha vida”. “Eu
estava na página 77 do livro quando resolvi ir ao médico para ver uma coisa que
estava me incomodando na garganta”, relatou quando foi indagado a respeito da
frase. Era um câncer na base da língua. O tratamento era a base de radioterapia
e quimioterapia. “Quando o médico me deu o diagnóstico e o que eu teria que
fazer para me curar cheguei a dizer ‘isso pode atrasar o livro’”, brinca.
Quando o cirurgião recebeu “Carmen: Uma Biografia” naquele
mesmo ano, disse ao autor: “um tratamento como o seu é para durar um ano, se
você não fizer mais nada. Um livro desses é para levar no mínimo um ano, se
você não fizer mais nada na vida. Como é que você conseguiu fazer as duas
coisas?” “É que o senhor não disse que era impossível”, respondeu. O lançamento
a toque de caixa se deveu também à editora, que fez questão de fazer com que o
autor tivesse o trabalho em mãos... antes que algo acontecesse a ele. Segundo
ele, a velocidade com que ele foi editado fez com que muito material,
principalmente imagens, ficasse de fora. Por isso seu próximo projeto seria um
novo volume ilustrado sobre Carmem Miranda (até aora, nem sinal desse volume).
Por meio de Carmen Miranda, Ruy Castro percorre o fim da monarquia
em Portugal, com o assassinato do rei que precipita a viagem da família da
cantora para o Brasil; a vida no Rio de Janeiro da Velha República, que
significativamente termina ao som de “Pra você gostar de mim (Tah-í)”, sucesso
do carnaval de 1930 que acompanhou a cantora por toda sua vida, como uma
espécie de prefixo. Segue pela primeira
década do governo de Getúlio Vargas, quando ela se consagra como a principal intérprete
do País (deixando bem para trás Francisco Alves e Sylvio Caldas) até o embarque
para os Estados Unidos, que é quando começa a grande aventura de Carmen
Miranda. Castro descreve o inacreditável sucesso que ela atingiu no maior
mercado do show biz, mas também a rotina massacrante a que foi submetida,
primeiro na Broadway, e depois em Hollywood, e que acabaria sendo mais que seu
ganha pão. No final da vida, presa a um casamento sem amor e já sem a perspectiva
de ser mãe, a sucessão de apresentações por quase todos os Estados Unidos,
inclusive o Havaí, tornou-se sua única razão de viver. Quando começou a perder
até isso, o tic-tic-tac do seu coração parou de repente.
Como todos os livros de fôlego do autor, a pesquisa abrange
todas as fontes disponíveis, conversas com quase todos os amigos e familiares
vivos, e mesmo quem só a conheceu rapidamente, tudo temperado pelo humor que
caracteriza seu estilo.
Um comentário:
Já queria ter lido, mas foi ficando para trás e, agora após sua resenha, vou ler! Estou com saudade de você na Tribuna!
(ai caramba, tem um negócio aqui em baixo escrito "prove que vc não é um robô"). Achei engraçado... digitei tanto hoje, que acho que eu sou um robô, sim!
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