A Mostra Internacional de Cinema de São Paulo começa hoje, tendo como uma de suas principais atrações as duas sessões de "O Poderoso Chefão", em uma cópia em 35mm de propriedade do próprio Francis Ford Coppola. O filme ganhou as páginas dos cadernos culturais recentemente por conta do relançamento da trilogia restaurada, chamada The Coppola Restoration. Encomendei o primeiro filme - já que já tenho os outros dois - mas enquanto esperava a encomenda, o canal Telecine Cult passou o clássico domingo passado. Assisti, é claro, e ainda emendei a segunda parte logo em seguida. Na terça, quando o DVD chegou, acabei vendo-o de novo - são 177 minutos! - mas com os comentários do diretor.
Essa overdose de Chefão é uma pobre compensação ao fato de que não poderei ver nenhuma das duas sessões no Cinesesc, sábado às 21h e domingo às 17h20. O começo já é arrepiante e antológico, com o coveiro Bonassera dizendo no escuro: "I believe in America". Em seguida, a câmera se afasta lentamente do close-up no rosto do ator Salvatore Corsitto até parar atrás da cabeça de don Vito Corleone. Apesar da época, foi usado um zoom computadorizado incomum na época. Segundo Coppola, a idéia original era começar o filme já na festa de casamento, mas quando um amigou leu o roteiro, lembrou que a abertura de "Patton", que deu o Oscar de roteiro ao jovem Francis Ford, era diferente e sensacional. "Porque não começar o 'Chefão' de outro jeito?"
Coppola lembra que a idéia inicial da Paramount era fazer um filme de baixo orçamento, transportando a ação do final dos anos 40 para a década de 70. Por isso, um jovem desconhecido foi escalado para dirigir o que se tornou um clássico. Durante a pré-produção, não apenas o diretor se opôs à transposição de época como o livro ia se tornando um best-seller. O estúdio convenceu-se então que era preciso se manter fiel ao texto de Mario Puzzo - que, aliás, não se opos à mudança de época - para aproveitar o sucesso do romance. O orçamento saltou de US$ 2,5 milhôes para US$ 6 milhões. A segunda dificuldade foi conseguir colocar Al Pacino - que Coppola queria - no papel de Michael Corleone. A Paramount - leia-se Robert Evans - queria Robert Redford, Dustin Hoffman ou mesmo James Caan, que acabou fazendo Santino Corleone. Quando Pacino foi efetivado, Evans passou a referir-se ao ator como "Anão" Pacino.
A terceira dificuldade foi escolher o patriarca Vito Corleone. Coppola queria um grande ator para interpretá-lo e se perguntou: quais são os maiores do mundo? Laurence Olivier e Marlon Brando eram a resposta naquela época. O fato de Olivier ser inglês não era impeditivo, pois além de ser capaz de encarnar desde o mouro Otello até o corcunda Ricardo III, o grande inérprete shakespereano ainda se parecia com o chefão Vito Genovese, uma das fontes de inspiração para o personagem. Mas ele estava doente na época e foi descartado. Brando estava disponível, mas não tinha nem 50 anos na época e era considerado veneno de bilheteria. Além disso, o fato de seu último filme, "Queimada", ser quase um manifesto esquerdista não caía bem na América de Nixon (isso não é dito por Coppola, mas dá pra imaginar). Novamente o novato Coppola tentou convencer os executivos da Paramount a aceitar algo que eles não queriam. Conseguiu que Brando fosse considerado, mas mediante condições inaceitáveis para um astro vencedor do Oscar como ele, como se submeter a um teste e ter uma cláusula no contrato que descontaria do pagamento qualquer contratempo causado por ele. Coppola só disse a ele que precisava de um teste de câmera para ver se ele convenceria como um homem muito mais velho, e se propos a levar uma equipe até a casa de Brando.
Como conta o próprio cineasta, lá chegando, deparou-se com aquele belo homem em ótima forma para seus 47 anos, com um rabo de cavalo louro, emanando vitalidade. Enquanto conversava com a equipe, Brando foi passando graxa de sapato no cabelo e imitando o chefão Frank Costello, a quem ele havia ouvido pelo rádio nas sessões do Comitê do Congresso do Crime Organizado (o mesmo que seria visto em "O Poderoso Chefão 2"). Ele achava que don Vito deveria ter a aparência de um buldogue e colocou uns guardanapos de papel na boca. Diante dos olhos atônitos de Coppola e colaboradores surgia a figura do poderoso chefão que seria imitada décadas afora. Com o teste de Brando na mão, Coppola abordou o presidente da Paramount, que ao saber do que se tratava voltou a dizer que o ator não estaria no filme. O diretor conseguiu fazer com que o executivo visse o teste e inevitavemente mudasse sua opinião. Com o aval do big boss, Evans, chefe do estúdio, teve que engolir a escolha, mas essas desfeitas não sairiam barato a Coppola.
Durante grande parte das filmagens, diretor e ator principal - Pacino - ficaram sob a ameaça de demissão.Pressões sobre custos e prazos, o desejo de ter um galã mais bonito em cena, a desconfiança das decisões de um diretor novato, tudo parecia levar a produção para o abismo e não à condição de sucesso de bilheteria, crítica, três Oscar e a posteridade como um dos maiores filmes já feito na América.
Com todo o material filmado em mãos, Coppola ainda se viu diante da exigência de que a duração não poderia ultrapassar as duas horas de projeção. Fez uma edição de 124 minutos e submeteu-a a Robert Evans. Esse ficou furioso pelo diretor ter tirado todas as cenas que sae aprofundavam das relações familiares e mandou Coppola colocá-las de volta. Anos mais tarde, em suas memórias transformadas em documentário, Evans reivindica para si o mérito da versão final de "O Poderoso Chefão"...
O resultado era obviamente tão bom que antes mesmo do lançamento já se havia decidido por uma seqüência. Ironicamente, Coppola relutou em permanecer na direção, e só aceitou mediante diversas condições. E se muitos consideram a seqüência superior à primeira parte, saibam que ela poderia ter sido realmente muito melhor. Brando poderia ter feito o don Corleone jovem, mas saiu magoado do primeiro filme pela forma como foi tratado pelos produtores. Não foi nem buscar seu Oscar, mandando em seu lugar uma falsa índia com um discurso fajuto em favor dos direitos dos nativos norte-americanos. Tudo bem que Robert De Niro foi sensacional, mas até dói em pensar no que perdemos com a recusa de Brando. Richard Castellano, que fez o capo regime Clemenza, foi o ator mais bem pago do primeiro filme, sabe-se lá por qual arranjo sindical, e para fazer o segundo exigiu que suas falas fossem escritas por um amigo, o que era naturalmente impossível. Por isso, Clemenza morre e dá lugar a Frank Petrangeli, interpretado por Michael V. Gazzo, que acabou indicado ao Oscar. Se Clemenza continuasse na trama, daria maior coerência à tragédia de Michael Corleone, completando o ciclo de traições que começa com Tessio no final do Chefão 1 e culmina com a de Fredo no segundo filme.
Nepotismo
"O Poderoso Chefão III" já foi lançado malhado por conta da escalação da filha de Coppola, Sofia, como Mary Corleone. Acho que a bronca era mais porque o papel era de Winona Ryder - a queridinha de Hollywood da época que preferiu fazer "Edward Mãos-de-Tesoura" - e todos esperavam uma atriz à sua altura de seu prestígio para substituí-la. Nunca achei que Sofia - futura diretora de talento - tenha se saído mal. Na verdade, criava no público a dúvida se o interesse do primo garanhão Vincent - que lançou Andy Garcia ao estrelato - era genuína ou movida pelo interesse, o que não seria o caso se fosse a graciosa Winona. Em todo o caso, essa colaboração entre os Coppola vem desde o primeiro filme, com a escolha de Talia Shire, irmã do diretor, como Connie Corleone. O próprio Francis diz que a achava muito bonita para o papel, que devia ser a irmã sem graça da família que se casa com uma galã por causa do poder do pai. Mas ela insistiu e foi aprovada pelos produtores. Além do pai, Carmine, que estréia como compositor escrevendo e regendo boa parte das músicas incidentais, diversos Coppolas participam da figuração, inclusive uma prima canta no casamento da abertura. Surpreende é que o sobrinho Nicholas Cage não entre em nenhum filme da trilogia.
Música
O famoso tema de amor foi um desafio para o veterano Nino Rota, que vinha do sucesso de "Romeu e Julieta". Mas o compositor favorito de Fellini não chegava aonde Coppola queria, até que, quando o diretor chegou à Itália para filmar as cenas de Michael na Sicília, o músico apresentou a canção que se tornou inseparável da trilogia. Na verdade, como o cineasta revela nos comentários, era um tema já utilizado por Rota em uma comédia, só que com ritmo mais acelerado. Como diz Coppola, o auto-plágio é perdoável.
Posteridade
É interessante que o filme que definiu Francis Ford Coppola como autor seja resultado da luta entre a vontade do cineasta e o que o estúdio achava ser um bom negócio. Foi um trabalho altamente artesanal, com cenas acrescentadas muito depois das filmagens principais e algumas até escritas bem depois, como a de Brando e Pacino sozinhos no quintal. Se não fosse esse acréscimo não haveria um téte-á-téte entre dois dos maiores atores ítalos-americanos na trilogia que reuniu três deles (De Niro não contracena com nenhum dos dois).
É ainda mais impressionante que dentro das condições descritas nos comentários o filme tenha resultado numa obra-prima, um primor de narrativa, montagem, atuação e momentos memoráveis que fazem parte do imaginário da cultura ocidental. Talvez a parte II seja mais complexa e elaborada, mas com todas as improvisações e soluções "baratas", é do primeiro que lembramos imediatamente quando falamos em "O Poderoso Chefão".
Um comentário:
o que eu posso dizer?e,simplismente o melhor filme existente!!! trilhia,atores,locaçao e,figurino e fotografia perfeitos!!ainda sinto a mesma emoçao assistino o filme da primeira vez.
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