terça-feira, 4 de maio de 2010

Trágica Obsessão

tragica obsessão

Existem alguns filmes que perseguimos por anos sem conseguir ver e quando conseguimos, tanto pode ser uma realização como uma decepção. A primeira vez que ouvi falar de Trágica Obsessão foi numa sátira da Mad, numa coletânea O Melhor de...., publicada anos depois do lançamento do filme, em 1976. Depois, quando virei fã de Brian De Palma, vi o título ser constantemente arrolado como um dos grandes trabalhos do diretor, cuja obra conheço quase toda.

Não lembro de te-lo visto em locadoras, seja em VHS ou DVD, e só foi exibido nos cinemas quando foi lançado. Mas graças à Internet consegui, enfim, assistí-lo, superando uma frustração que se arrastava há décadas.

Trágica Obsessão faz parte do ciclo hitchcockiano de De Palma, fimes que levam ao limite as perversões contidas na obra do Mestre do Suspense. Começa com Irmãs Diabólicas, de 1973; prossegue com Trágica Obsessão; depois, o mais famoso, Vestida para Matar (1980); Um Tiro na Noite (1981); Duble de Corpo (1984); e finalmente, Síndrome de Caim (1992). Os Hitchcock favoritos de De Palma são Um Corpo que Cai, Janela Indiscreta e Psicose, que participam de uma forma ou de outra de todos os supracitados.

Nosso filme em questão é uma versão – ainda mais – perversa de Um Corpo que Cai, para muitos, a obra-prima de Hitchcock. Cliff Robertson ( o tio de Peter Paarker em Homem-Aranha) é um empresário cuja esposa (Genvieve Bujold, chamada á época de Glenda Jackson francesa) e filha são seqüestradas e, após uma tentativa desastrada de resgate, ambas morrem. Ele se torna morbidamente obcecado pela mulher morta, construindo um memorial para ela, impedindo que o terreno em que se encontra seja loteado, para desapontamento de seu sócio minoritário (John Lithgow, em seu segundo filme, o primeiro de três com Brian de Palma). Anos depois, numa viagem de negócios em Veneza, ela conhece uma moça igualzinha à falecida e passa a assediá-la até que ela concorda em se casar com ele.

Ok, até aí temos a repetição da necrofilia de James Stewart por Kim Novak, mas De Palma acrescenta uma perversão nova e surpreendente: o incesto. Sim, a nova versão da esposa morta é sua própria filha, que durante anos achou que o pai tinha sido responsável pela morte da mãe, ao tentar enganar os seqüestradores ao invés de pagar o resgate.

Em termos lógicos, a resolução da trama é pouco convincente, principalmente o confronto entre Robertson e Lithgow, uma ridícula reencenação do crime de Disque M para Matar. Mas a seqüência final é poderosa, mesmo para hoje em dia quando já se viu de tudo. A filha arrependida corre para os braços do pai elouquecido em busca de vingança e pode acontecer tanto uma tragédia shakespeariana quanto um happy end. Embora pareça o segundo, o desfecho não é um nem outro, deixando claro que, depois de tudo o que aconteceu, a relação pai e filha nunca poderá ser o que consideramos normal.

Se o final de Chinatown nos horroriza pelo pelo que é sugerido, em Trágica Obsessão o tabu fundador da nossa civilização – segundo Freud – é praticamente atirado na cara do espectador. Falta a Robertson o talento para dar a dimensão trágica a seu personagem, enquanto Genevieve até que se saiu bem no papel-duplo, ainda que nunca tenha sido uma Glenda Jackson em termos dramáticos. Lithgow inaugura aqui a sua principal persona cinematográfica, o tipo sinistro que repetiria em diversos trabalhos, incluindo a quarta temporada de Dexter, que lhe valeu o Globo de Ouro este ano.

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