terça-feira, 29 de janeiro de 2013

"Lincoln", de Steven Spielberg

Sally Field e Daniel Day-Lewis já levaram o Actors Guild Awards, ele também
o Globo de Ouro

Já faz algum tempo que Peter Pan de Hollywood acordou para as mazelas da América e vem se tornando um crítico de seu país. Há quem se refira a “O Terminal” (2004), “Guerra dos Mundos” (2005) e “Munique” (também 2005) como uma trilogia sobre os Estados Unidos pós-11 de setembro.
Seu recente “Lincoln”, embora se passe no século XIX, refere-se à divisão atual dos Estados Unidos, não pela escravidão, mas pela visão de mundo entre os adeptos do Tea Party e o resto do país. Nem mesmo a crise econômica causa pelo capitalismo selvagem sem freios defendido por eles fez com que suas convicções fossem abaladas. O resultado é um Congresso praticamente paralisado em meio à maior depressão econômica desde os anos 1930.
O guru da nova direita, Luis Felipe Pondé, rejeita na Folha de S. Paulo a aproximação que o crítico de cinema do mesmo jornal, Ricardo Calil, fez entre Lincoln e Obama, por que acha o segundo um banana, que só se reelegeu por ser negro (não é verdade, no pleito do ano passado ficou claro que o que os americanos não queriam era a volta do governo para os muito ricos, cristãos, heterossexuais – ainda que no armário – e, preferencialmente, brancos). Mas Calil tem razão em ver no subtexto nem tão sutil uma mensagem para o atual presidente. Se é isso o que ele fará em seu derradeiro quatriênio, e o que veremos.
Outro articulista importante da Folha, Elio Gaspari, adorou o filme, já que mostra de forma crua e chocante para leigos idealistas, como é que se fazem as leis nas democracias representativas, mesmo as leis mais nobres. Mas não há opções realistas a esse sistema, como bem observou Winston Churchill (“A democracia representativa é o pior sistema que existe, com exceção de todos os outros”). Nenhum jornalista que já tenha coberto qualquer legislativo acharia extraordinário o que acontece em “Lincoln”: é assim que é nos EUA, nas democracias européias e no Brasil (com diferenças importantes e fundamentais, mas, no fundo, é o mesmo). A alternativa a esse toma-lá-dá-cá é a ditadura, que é muito pior.
O Lincoln de Daniel-Day Lewis (tem tudo para quebrar o recorde do Oscar com uma terceira vitória como melhor ator principal) deixa isso claro na explicação que dá a seu gabinete sobre a necessidade da emenda mesmo depois de sua declaração de libertação dos escravos nos Estados Confederados. Nenhum presidente teve tanto poder quanto ele durante a Guerra Civil, mas seus atos executivos embasados no estado de guerra aproximavam-se de uma ditadura, e ele sabia disso. Tudo o mais poderia ser revertido ou contestado na paz, menos a escravidão, e por isso a necessidade de uma emenda constitucional que tornasse permanente a abolição da escravidão. A rigor, Pondé tem razão quando diz que não foi a liberdade dos negros que levou ao fraticídio americano, mas o desejo dos 11 estados confederados de deixar a União e manter o dixie way of life que podemos ver em versão devidamente edulcorada em “...E o Vento Levou”. A famosa Constituição Americana dava brechas para isso, só que Abraham Lincoln achou, com razão, que isso transformaria a América em dois – ou mais – países de segunda, e manteve a União a ferro e fogo. O mundo seria outro que a América do Norte se tornasse uma versão mais fria das fragmentadas Américas do Sul e Central. Isso é ser estadista. Ao centralizar a ação nos últimos meses da presidência e da vida de Lincoln, Spielberg deixa essa questão em segundo plano e se concentra na liberdade aos negros, o motivo idealista da guerra.
Cinematograficamente, entretanto, o resultado não é tão bom. O filme é muito falado, muito solene e se sustenta na atuação de Day-Lewis, em alguns momentos secundados por Sally Field como a primeira-dama Mary Odd Lincoln (seu estilo soap opera cai como uma luva no papel) e pos Tommy Lee Jones como o abolicionista radial Thadeus Stevens. Somente quem se interessa por política e história como eu, meu amigo João Marcos Martinho e Elio Gaspari apreciamos de fato. Assim, mesmo sem ser um filmão, “Argo” é muito mais cinema, e acho que ganha pontos no Oscar.

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