sábado, 16 de fevereiro de 2008

Tropa de Elite ganha o Urso de Ouro em Berlim!


Dez anois depois de "Central do Brasil" outro filme brasileiro ganha o prêmio máxiom do Festival de Cinema de Berlim, e não é outro senão "Tropa de Elite". A notícia me pegou desprevenido, após a despedida temporária antes da viagem, então posto aqui o texto que escrevi para Gente etc logo após o lançamento nacional do filme.

Não dá pra discutir: “Tropa de Elite” é o filme do ano no Brasil, e independentemente da nacionalidade. Nenhuma outra obra despertou tanta discussão, curiosidade ou causou tanto impacto. As razões são várias, mas as principais são suas qualidades de filme de ação e a visão implacável sobre a polícia, tráfico e classe média.
Fiz o caminho contrário da maioria, vi o filme no cinema antes e depois a versão que chegou às ruas em DVD pirata. As diferenças, além da divisão em capítulos que foi eliminada na edição final, estão na pós-produção com efeitos sonoros e visuais que transformam os tiroteios de novela da Record em batalha digna de Hollywood. Não é á toa que o diretor José Padilha falou numa diferença de US$ 1 milhão entre a primeira e a segunda versão.
Cada época tem o herói que merece. Em nossos tempos de cólera, o bonzão é o capitão Nascimento, que já ganhou blog fake (http://capitaonascimento.wordpress.com/ - hilário!), ganhou um “Fatos sobre...” no mesmo estilo que é dedicado a Chuck Norris e sua vestimenta do Bope é a nova moda para sair na balada no Rio. Fica a pergunta: era essa a intenção de José Padilha? O personagem não foi elaborado de forma unidimensional, é cheio de conflitos e grande parte de suas atitudes se devem ao estresse. As torturas e execuções que comete não visam salvar a sociedade mas sim, num primeiro momento expiar sua culpa e num segundo, buscar uma vingança que vai lhe permitir deixar a corporação e recuperar sua família. Então que herói é esse?
Grande parte do fascínio do personagem se deve à interpretação de Wagner Moura. O jornalista Aydano José Motta, blogueiro de O Globo, definiu a performance do ator como “a melhor atuação individual de um ator no cinema brazuca desde Fernanda Montenegro em ‘Central do Brasil’". Mesmo que para o Brasil inteiro ele ainda estivesse marcado pelo vilão que acabara de fazer na novela “Paraíso Tropical”, Moura transformou seu policial durão mas em conflito no personagem de ficção mais marcante deste ano.
Nem sempre as figuras inesquecíveis do cinema são exemplos de conduta no sentido clássico, vide o Hannibal Lecter de Anthony Hopkins ou a Miranda Priestly de Meryl Streep. Mesmo quando heróis, como John Wayne no melhor faroeste de todos os tempos que é “Rastros de Ódio”, às vezes não sabemos do que eles serão capazes, como a dúvida que persegue Jeffrey Hunter até o fim do filme, se Wayne quer resgatar a sobrinha ou prefere matá-la do que vê-la transformada numa índia. Ao ver “Tropa de Elite” logo me remeti à Sam Peckimpah e seus homens duros que, mesmo não se regendo pela ética e moral tradicionais, se aferram a regras não escritas que só eles obedecem. É um mundo masculino, como o do Bope, que não se vende, mas não hesita em matar quem se colocar no caminho de sua missão.
A diferença fundamental, é claro, é que enquanto o faroeste de Hollywood estava a anos luz da realidade, o cenário de “Tropa de Elite” é o próprio morro carioca. E não só o Rio e suas favelas estão no filme: há muito de Brasil no tal “sistema” que regula a PM ali retratada, muito da hipocrisia da classe média está lá também e muito da indiferença de todos nós sobre o tema tráfico e a violência de que só despertamos quando rouba nossa carteira para comprar crack ou aponta a arma na nossa cara num sinal de trânsito.
Alberto Dines no “Observatório da Imprensa” da última terça-feira – que contou com a participação do diretor do filme José Padilha, diz no editorial do programa: “Tropa de Elite está todos os dias nos jornais, nas revistas, rádio e TV. Por ironia é, ao mesmo tempo, uma grave, gravíssima acusação à displicência do nosso jornalismo tão envolvido com a realidade mas incapaz de produzir um libelo tão violento contra a violência e contra a corrupção.
Alguma coisa se movimenta na cena brasileira. É um filme ou um espelho manchado de sangue?”
Só por inspirar reflexões como essa, o cinema brasileiro já vale a pena, ao contrário do que acha Diogo Mainardi, o enfant terrible da Veja que proclama a inutilidade dos filmes nacionais e que só pela foto de divulgação, Wagner Moura deve ser um péssimo ator. O canastrrão certamente não é o Capitão Nascimento...

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