Da noite de 13 de dezembro de 1968, e pelos sete anos seguintes, até a retirada da censura prévia, em 4 de janeiro de 1975, quando o jornal comemorou seu centenário, a família Mesquita esteve à frente da resistência da redação do Estadão aos arbítrios do AI-5, o golpe dentro do golpe que eles tinham ajudado a deflagrar em 1964.
Na noite desta segunda-feira, 15 de dezembro de 2008, quando o jornal lançou o livro “Mordaça no Estadão”, que relata o período da censura, com texto de José Maria Mayrink, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional, nenhum Mesquita foi visto no evento.
O que terá acontecido nos 40 anos que separam um dezembro do outro? Aconteceu muita coisa no país e no mundo, claro. Caímos numa democracia com plenas liberdades públicas. A União Soviética acabou. 82% da nossa população não tem hoje a menor idéia do que foi o AI-5. O operário nordestino Luiz Inácio Lula da Silva é o presidente do Brasil e o negro Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos. Casei, tive duas filhas, que me deram três netos. As maiores empresas capitalistas do mundo pedem ajuda aos governos centrais para não ir à falência _ tanta coisa aconteceu…
Mas o que explica a ausência da família dos fundadores no lançamento de um livro que registra a história mais gloriosa do centenário jornal? Não sei. Sei que eles já não estão mais, faz anos, no comando do jornal, restringindo-se a participação da família a Ruy Mesquita, responsável pelas duas páginas de opinião. Os demais foram cuidar da vida em outros ramos.
Ninguém poderia imaginar algo assim nos mais de 10 anos em que lá trabalhei, de 1967 a 1977, quando os jornalistas da casa referiam-se a Júlio Mesquita Filho e, depois, seus filhos Júlio Neto e Ruy, simplesmente, como “deus”. Mais do que donos do jornal, eram tratados como verdadeiras entidades superiores.
Ontem à noite, numa roda ao lado de Mayrink, o autor do livro que assinava as dedicatórias para as cerca de 200 pessoas que foram ao lançamento, quem recebia os cumprimentos das autoridades era o diretor de conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour. Até brinquei com ele: estava parecendo o pai da noiva…
Entre as poucas autoridades que vi passar pela livraria, anotei os ex-governadores Cláudio Lembro e Orestes Quércia. Na fila de autógrafos, quem mais chamava a atenção era a nobre figura do pernambucano Carlos Garcia, ex-diretor da sucursal do Recife e, mais tarde, do arquivo do jornal. Preso e torturado pelos militares, era um dos poucos a lembrar, em sua elegância de septuagenário de barbas brncas, os velhos tempos da aristocracia que o jornal tão bem representou.
Daquele meu tempo de Estadão, o único que encontrei, e ainda permanece trabalhando por lá, foi Antonio Carvalho Mendes, mais conhecido por Toninho Boa Morte, por ser o redator das notícias fúnebres do jornal _ naquela época, e até hoje.
Por uma dessas finas ironias da vida, o mais próximo da família Mesquita que encontrei foi o jornalista Getúlio Alencar, um pernambucano de esquerda, que foi casado com a herdeira Patrícia Mesquita, filha do Carlão, e que ainda é sua representante no Conselho de Administração.
Antes das dez da noite, a fila tinha acabado. Fui com alguns amigos para o Boteco Brasil, na esquina da Bela Cintra com Alameda Santos. Lembramos de histórias dos velhos tempos em que o Estadão era o jornal mais importante do país e, a família Mesquita, seu símbolo. A gente tinha muito orgulho de trabalhar lá.
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