Esta semana resolvi tirar o atraso cinematográfico e ver algumas produções lançadas no ano passado e que chegaram agora ao DVD. Começo por "Across the Universe", que o Paulinho Lui sugeriu que trouxéssemos para o Cineclube, mas eu refuguei. Por mim, teria gostado de ver o filme em tela grande, mas o Penna não é lá muito chegado em Beatles nem em contracultura. Além disso, segundo me informei, no cinema as musicas não foram legendadas, e elas foram engenhosamente costuradas no roteiro para fazer parte da história.
Lembra às vezes "Hair", o filme, que muita gente jura que é da época mas foi filmado dez anos depois da peça fazer sucesso, portanto, quase tão anacrônico quanto este "Across The Universe". A diferença é que em 1979, os ex-hippies estavam virando ou new waves ou investidores da bolsa. Hoje, com a Guerra do Iraque, a hegemonia dos Estados Unidos sendo confrontada e Barack Obama remetendo ao sonho de Martin Luther King estamos mais próximos dos anos 60 de certa forma. A diretora Julie Taymor, de "Frida", não despreza esse fato.
A jovem, bela, talentosa e - ainda por cima - boa cantora Evan Rachel Wood (de "Aos Treze" e "The Wrestling") é Lucy, uma típica adolescente de classe média dos anos 60, que namora um garotão que foi convocado para ir ao Vietnã. Do outro lado do Atlântico, o jovem Jude (Jim Sturgess) trabalha nas docas de Liverpool e quer ir à América conhecer o pai, um ex-soldado que abandonou a mãe grávida durante a 2a Guerra Mundial. Chegando aos Estados Unidos, descobre que o genitor trabalha como janitor (zelador, um trocadilho infame) em Princeton, e lá faz amizade com o baladeiro Max (Joe Anderson), irmão de Lucy. Num almoço de Ação de Graças, Jude conhece a família do amigo e se interesa por Lucy. Mas rapazes decidem pela aventura em Nova York e lá se hospedam no apartamento da cantora Sadie (Dana Fuchs), no Greenwich Village.
Toda a mitologia da época desfila pelo filme: os privilegiados suburbios classe média alta que víamos em seriados como A Feiticeira, a boemia do Village, uma cantora tipo Janis Joplin, um guitarrista tipo Jimmy Hendrix, os conflitos raciais, a Guerra do Vietnã. Tudo embalado ao som dos Beatles, em sequencia mais ou menos cronológica, como uma trilha sonora da década, cujo som vai se modificando à medida que aqueles anos míticos vão ficando menos inocentes. No início, há a canção "Hold me Tigh" que toca simultaneamente num típico baile de formatura de high school americano e numa taberna inglesa igualzinha ao Cavern Club. É uma das várias citações beatlemaníacas, além da música. A personagem Prudence, uma jovem de origem asiática atormentada perla inadequação de ser lesbica num mundo de certinhos, faz a trajetória de "She's Leaving Home", sem que esta seja executada. Na fila do pagamento das docas, o caixa cita "When I'm 64". E o selo da gravadora criada especialmente para Sadie (que deve o nome a "Sexy Sadie", que também não é tocada) é um morango (desculpa para que "Strawberry Fields Forever" seja cantada), como a maçã da Apple, gravadora dos Beatles. Finalmente, há o show no alto de um edifício, tributo à última apresentação ao vivo do quarteto de Liverpool, durante a filmagem de "Let it Be", e que parou o trânsito de Londres.
A garota Prudence não fica deslocada apenas em sua high school - onde canta lindamente "I Wanna Hold Your Hand" para uma cheerleader loira - mas também no filme. Ela não tem muita função, apesar da bela introdução e de justificar a música "Dear Prudence". Mais interessante sáo as participações especiais de Joe Cocker - em tres papéis em "Come Together" - , Bono - fazendo um defensor do LSD, Dr. Robert (nome de outra canção que não é tocada), e cantando "I'm The Walrus e depois "Lucy in The Sky With Diamonds" nos créditos finais - e Eddie Lizzard ("The Richs") interpretando "Being For The Benefit Of Mr. Kite".
O elenco é muito bom, destacando Evan, de quem sou fã desde o seriado "Once and Again", que canta muito bem apesar de namorar Marilyn Manson (ninguém é perfeito). O garoto inglês Jim Sturgess (de "A Outra") também se sai bem cantando, e é uma mistura de Ewan MacGregor com Emile Hirsch. Joe Anderson ("Amor e Inocência") é o mais fraco dos protagonistas, sem conseguir passar do moleque porralouca do veterano de guerra traumatizado com credibilidade. A dupla de músicos Dana Fuchs e Martin Luther - o guitarista Jo-Jo - fazem o seu papel de Janis e Hendrix alternativos. Curiosamente, "através do universo" do filme os Beatles não existiram, já que algumas músicas são de autoria de Jo-jo (personagem da canção "Get Back") na história.
Parece que Julie Taymor era uma adolescente na época, e viu irmãos indo ao Vietnã e entrando na contracultura de cabeça. Talvez por isso tenha conseguido captar a inocência criativa - e também destrutiva, se pensarmos nas drogas e na radicalização armada dos grupos de esquerda - dos anos 60 e fazer uma ligação com o momento atual, auxiliada em muito pela direção de arte e figurino, este indicado ao Oscar. Recomendado a quem gosta de Beatles, os Anos Rebeldes e também de musicais e histórias românticas.
Um comentário:
Fala Marcão, é o Marcelo Desotti. Quando precisar de alternativas para ver um DVD ou Blu-Ray numa boa tela de projeção, seu amigo aqui está à disposição. Grande abraço!
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