sexta-feira, 14 de março de 2008

É isso... (Artigo publicado ontem, 13 de março, na Folha On Line)

A Lula o que é de Lula


No dia em que o IBGE divulgou a vigorosa expansão da economia em 2007, o presidente Lula, um dos pilares desse crescimento, teve a chance de regalar-se com o glorioso PIB 5.4 e mostrar porque é o maior sintetizador das contraditórias forças socioeconômicas brasileiras.

Nosso presidente discursou diante de duas platéias bem distintas ao longo do dia brasiliense: 1) a claque de evento comemorando os quatro anos do Ministério do Desenvolvimento Social, aquele do Bolsa Família 2) a platéia de empresários do seminário da revista "Economist" sobre o Brasil (até os britânicos começam a se interessar mais pelo país).

À primeira platéia, mais político, mais duro, Lula cobrou dos céticos as críticas e as previsões mais pessimistas para o ano, louvou o Bolsa Família e disse que o mercado interno garante o crescimento, o que significa que "os pobres estão comendo mais, os pobres estão vestindo mais". É verdade.

Já no seminário da "Economist", a revista britânica liberal e opinativa que se tornou um dos maiores formadores de cabeças globais, ele foi mais comedido. "Não almejo que o Brasil fique crescendo a taxas de 10% ou 11% ao ano, prefiro que se cresça por muito tempo a taxas de 5% para que a indústria possa acompanhar o crescimento da demanda paulatinamente... Não quero momentos de euforia, quero momentos de responsabilidade".

A economia brasileira apresenta sinais de vigor há muito ansiados. Os investimentos cresceram 13,4% em 2007, o que deve elevar a oferta e ajudar a conter a pressão inflacionária neste ano de consumo quente, evitando alta nos juros. O crescimento se divide pelos diversos setores, com serviços, indústria e agropecuária crescendo a taxas em torno de 5%.

A questão se foi Lula ou se foram as circunstâncias históricas e externas que trouxeram este avanço econômico sempre existirá. O principal talvez seja mesmo o mero acúmulo de anos e anos de relativa estabilidade econômica e relativa responsabilidade fiscal, e daí méritos óbvios à era FHC. Mas a mudança de patamar está acontecendo sob Lula, após cinco anos de seu governo (e oito de FHC).

Sim, criticar é preciso e preciso. São gritantes as deficiências na gestão. Os gargalos de infra-estrutura, a ineficiência jurídica, a insegurança pública, a burocracia asfixiante, o caos tributário, tudo ainda sob uma imensa carga tributária demandada por um Estado caro e corrupto. Essa é a equação do atraso, a banda podre que nos aprisiona e contra a qual Lula parece incapaz de agir, para dizer o mínimo.

Mas, ainda assim, a economia avança. Os pobres comem mais, os ricos lucram muito mais. Nossa vocação para um mercado interno exuberante, na definição de Delfim Neto, começa a realizar-se.

Mãe dos pobres, pai dos ricos, Lula consegue ser ponte entre as distante extremidades da população brasileira. A, desculpe o palavrão, elite sempre governou o Brasil. Lula é nosso primeiro presidente popular no sentido raso da palavra. Entende como nenhum professor da USP as necessidades do andar de baixo. É necessário para legitimar a democracia, mesmo ineficiente, de um país tão desigual.

Pode não ser a melhor ponte, mas é por ela que atravessamos.

Sérgio Malbergier é editor do caderno Dinheiro da Folha de S. Paulo. Foi editor do caderno Mundo (2000-2004), correspondente em Londres (1994) e enviado especial a países como Iraque, Israel e Venezuela, entre outros. Dirigiu dois curta-metragens, "A Árvore" (1986) e "Carô no Inferno" (1987). Escreve para a Folha Online às quintas.
E-mail: smalberg@uol.com.br

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