quarta-feira, 16 de abril de 2008

Idade das Trevas

Texto de Thomas Wood Jr., articulista de Gestão, publicado na Carta Capital 489 datado do último dia 2 de abril e que comentei com alguns amigos por esses dias. Leiam e reflitam.

Homo ignobilis

Thomaz Wood Jr.

Circulam freqüentemente pela internet listas de atrocidades lingüísticas cometidas por estudantes em exames vestibulares. Há alguns anos, uma safra auspiciosa, embalada por questões ambientais, produziu impagáveis reflexões sobre a “dificuldade de achar os pandas na Amazônia”, a “extinção do micro-leão dourado” e a poluição das “bacias esferográficas”. Muito antes de Al Gore, nossos jovens já haviam chegado à conclusão de que a questão ambiental “é um problema de muita gravidez” e que, para resolvê-lo, não se deve preservar “apenas o meio ambiente, e sim todo ele”. Em suma, como bem sumariou um luminar: “Vamos deixar de sermos egoístas e pensarmos um pouco em nós mesmos”. Sejam verdadeiras ou apenas fruto de algum malicioso bem-humorado, o fato é que tais pérolas bem representam a condição educacional das hordas locais.

Diante de tais manifestações de “exuberância intelectual”, conservadores e nostálgicos costumam deplorar a degradação do ensino público e relembrar momentos passados, não tão soturnos, da educação pindoramense. Os lamentadores bem poderiam se associar aos vizinhos do Norte. Lá, como cá, a tendência para a lamúria é perene, a cruzar gerações e a produzir reflexões e provocações.

Em 1963, Richard Hofstadter publicou sua seminal obra Anti-intellectualism in American Life, relacionando a tendência antiintelectual da sociedade à ação dos religiosos, dos políticos e dos empresários. Segundo o autor, tais atores envolvem sua retórica com conceitos como moralidade, democracia, utilidade e praticidade para fomentar nos indivíduos desconfiança e ressentimento contra o mundo da mente e a vida intelectual.

Allan David Bloom lançou, em 1987, Closing of the American Mind. A obra trazia uma crítica da universidade contemporânea e da sociedade centrada no interesse individual. Bloom lamentava a desvalorização dos grandes livros do pensamento ocidental e a emergência de uma cultura popular que embalava os novos estudantes, incapazes de buscar um sentido filosófico para a vida e movidos apenas pela satisfação de desejos imediatos de reconhecimento e sucesso comercial.

Vinte anos depois, uma nova obra, The Age of American Unreason, de Susan Jacoby, faz eco às duas primeiras. Em declarações sobre o livro, a autora se mostra assustada com demonstrações de ignorância na mídia e na vida cotidiana. Ainda pior é o que percebe como uma hostilidade geral ao conhecimento, uma mistura catastrófica que combina antiintelectualismo – a percepção de que muito conhecimento pode ser algo perigoso – e anti-racionalismo – que reflete o primado da opinião sobre os fatos e as evidências. Segundo declarou ao jornal The New York Times, os cidadãos de hoje não são apenas ignorantes sobre conhecimento científico, cívico e cultural, como não acreditam que tal conhecimento tenha alguma importância. A tenebrosa frase “não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe” nunca foi tão popular.

Jacoby alinha três causas para o estado das coisas. Primeiro, as deficiências do sistema educacional, que segue prolongando os anos de escolaridade, porém, não gera evidências de que os estudantes estejam aprendendo mais. Segundo, a força do fundamentalismo religioso, com sua antipatia pela ciência. E terceiro, a influência dos liberals (esquerdistas) norte-americanos sobre as universidades, a promover a cultura pop, e a tornar trivial e superficial o aprendizado no ensino superior.

Em um artigo recentemente publicado no jornal The Washington Post, a própria Jacoby condena o inexorável movimento ladeira abaixo, catalisado pela superação da cultura escrita pela cultura do vídeo. A autora relaciona a popularização do uso desse tipo de tecnologia ao decréscimo da capacidade de concentração por períodos mais longos de tempo. A onipresença da mídia eletrônica e visual estimula a cultura da distração, e avança contra indivíduos susceptíveis, sem defesas. Conforme o público se torna mais impaciente com o processo de conseguir informação por meio da linguagem escrita, aceleram-se os processos de comunicação, o que contribui para a erosão do conhecimento geral. Enquanto as taxas de leitura declinam, o uso de computadores, de internet e de videogames sobe.

Em um mundo cada vez mais dependente do conhecimento, é paradoxal que o reconhecimento da importância da educação e do intelecto conviva com o antiintelectualismo, com o obscurantismo corporativo ou religioso e com celebrações sem pudor da mais pura ignorância. É como se inexoráveis forças ambientais induzissem os indivíduos a um novo tipo de patologia: a anorexia intelectual.


Um comentário:

Kleber Patricio disse...

Assino embaixo. Conheço vários estudantes universitários que não possuem conhecimento sequer para entender o que lêem; ou seja, é o pior dos mundos: ignorância + incapacidade (ou falta de vontade) de aprender.
Abraço.