quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Doze anos sem Paulo Francis


Há 12 anos, em 4 de fevereiro de 1997, morria Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, o Paulo Francis, um dos jornalistas mais influentes do Brasil, mesmo morando em Nova York desde os anos 70. Já escrevi muito sobre ele, que mais que um ídolo, era um guia intelectual, fazendo a cabeça da minha geração por meio de suas indicações de livros, música, teatro e, em menor escala, filmes (ele sempre considerou o cinema uma arte menor). Abaixo, texto de Lucas Mendes, amigo pessoal, publicado no site BBC-Brasil.

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Francis morreu há 12 anos, na quarta, 4 de fevereiro. O documentário Caro Francis, de Nelson Hoineff, nos conta a história dele com vários depoimentos, todos a favor.

Foi um parto demorado e difícil. Grana. Pouco depois da morte, Nelson esteve aqui e tomamos um café da manhã juntos, rimos com as histórias e sugeri um roteiro. O resultado é diferente e melhor do que o meu. Minha versão, em 98, foi limitada à participação do Francis no nosso programa e foi ao ar um ano depois da morte no GNT.

Senti falta de depoimentos críticos e de outros que seriam a favor, como o do Luis Fernando Mercadante, que na década de 70 era correspondente da Veja em Nova York e babá do Francis antes do casamento com a jornalista Sonia Nolasco.

Não sei onde anda o Mercadante, que tinha pose e apelido de príncipe.

Grande, fino e bonito. Foi um dos arquitetos da entrada no Francis na Globo - já estava de volta ao Rio no fim da década de 70 - mas em Nova York era companheiro de noitadas que terminavam no apartamento do Francis, no Village, com o Empire Estate ao norte e Wagner a todo vapor.

Senti falta do depoimento do Caio Blinder que, aos 22 ou 23 anos, foi promovido a editor assistente de Internacional da Folha de São Paulo e dois dias depois ligou para o Francis, num sábado, para pedir que cobrisse um protesto no Central Park ou na ONU, Caio não se lembra.

"Já cobri", respondeu o Francis e desligou o telefone.

O alemão não trabalhava aos sábados. No resto da semana escrevia até mais do que o necessário. Aos domingos,, costumava mandar uma trolha que não tinha sido pedida por ninguém e o espaço da editoria internacional na segunda-feira era reduzido, mas, se era Francis, tinha de ser publicado na íntegra por mais bizantina que fosse a matéria.

O Francis lia alguma coisa nos jornais americanos que nem estava no radar da imprensa brasileira e mandava ver no teletipo. Era um dos poucos, senão o único correspondente brasileiro com o luxo de um teletipo em casa. Depois da trolha iam as correções: na linha oito, em vez de Stalin é Krushev, etc....

No nosso tempo da TV Globo, na década de 80, ele chegava entre onze e meio dia, nunca faltava , e a entrada dele na redação era festiva: "Viva o Nhô Nhô!".

Era o apelido dele, dono da Casa Grande. Às vezes, colocava a voz em falseto e dizia , como se fosse o presidente, ou senhor da senzala: "Quer terra? O Nhô Nhô vai dar terra! Quer casa? Nhô Nhô dah casa! Que carro? Etc..."

Sentava na mesa, punha a mão na testa e dizia: "Ai meu Deus, pobre de nós...o Brasil está fudido!"

Um editor um dia disse a ele: "Seu cabelo está verde".

"Verde é seu rabo!" ele respondeu, mas usou uma palavra mais crua. O Carlinhos, cabelereiro, ou a Sonia, cuidavam do cabelo dele. Quando fazia por conta, a cor era imprevisível.

"Atenção! Silêncio! Nhô Nhô vai gravar" avisava o cinegrafista. Às vezes saía num tiro de 45 segundos, às vezes saía no terceiro ou quarto tiro, e quando errava fazia um discurso contra esta "merda da televisão".

Se a culpa era da secretária portuguesa que esquecia de cancelar as chamadas para a redação, ele pedia a cabeça "desta filha da puta. Só matando esta portuguesa", que era educadíssima, mas meio pateta.

Nhô Nhô era mesmo meio Nhô Nhô. Emprestava dinheiro para quem pedisse e seguia a fórmula: não havia cobrança, perdão nem esquecimento. O devedor estipulava quando ia pagar. Não podia pagar picado nem mudar a data e jamais era cobrado. Afinal quem devia o favor devia se lembrar dele. Se não pagava, Nhô Nhô se sentia aliviado porque sabia que levaria outra facada.

De um começo pobre e difícil na década de setenta, Francis estava rico no fim da década de noventa. Ganhava tanto ou mais do que diretores e editores dos jornais brasileiros e até americanos. Talvez fosse o jornalista mais bem pago do Brasil. Mandava dinheiro para parentes e começou a gastar com viagens executivas para a Europa.
Sonia Nolasco ficou desapontada comigo, porque no documentário eu digo que o Francis não gostava de gastar dinheiro com médicos nem advogados e ia ao médico dele em Nova York porque não pagava e não precisava marcar consulta. Era tratado como celebridade. O Francis era a única pessoa que eu conhecia sem seguro de saúde, que naquela época era barato. Um dos mistérios do Nhô Nhô.

Eu e ninguém que eu conheça sabe explicar a guinada radical dele da esquerda para a direita, dos ídolos Noam Chomsky e I. F. Stone para Ronald Reagan. Imagino o alemão com o Obama na Casa Branca. Acho que ele diria: "Nhô Nhô quer casa? Nhô Nhô vai dar casa. Quer terra? Nhô Nhô...."


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