Guilherme Antonio de Moura Costa*
Oitenta e cinco por cento do nível de atividade econômica no Brasil referem-se ao mercado interno. Contribui para isso o fato de, nos últimos dois anos, segundo o IBGE, 26 milhões de habitantes terem ascendido das classes D e E para a C, com a elevação de sua renda familiar entre R$ 1,5 mil e R$ 4,5 mil. Portanto, a demanda agregada baseia-se, quase exclusivamente, no mercado interno.
O real está baixo em relação ao dólar, inibindo importações e devendo desencadear onda de substituição de importados por nacionais. Compras externas devem cair entre 10% e 20%, o que significaria ganho de aproximadamente R$ 34 bilhões por ano para a indústria brasileira. Dentre os produtos que mais deverão ser beneficiados, estão insumos como papel, aço, tecidos, máquinas e equipamentos, pequenos eletrodomésticos, alimentos e brinquedos. Em alguns casos, a substituição de importação tende a ser imediata, como nos alimentos e bebidas. O setor têxtil e o de brinquedos são outros que ganharão fôlego.
O salário mínimo em 2009 será superior à taxa de inflação de 2008, ampliando o poder de compra da massa salarial. Embora a cotação alta do dólar favoreça a subida dos preços internos, a inflação, em contrapartida, será neutralizada pela queda de consumo das classes A e B, atingida pelo câmbio e os juros elevados. Entre perdas e ganhos, o PIB crescerá em torno de 2,5%. A inflação oficial (IPCA/IBGE) deverá situar-se em torno de 4,9%, contra os 6,07% de 2008. Mesmo com a desaceleração da economia em 2009, o mercado interno sustentará o nível de emprego num patamar capaz de afastar o risco de recessão em curto prazo. Também contribui para manter o consumo com preços razoáveis, a atualização tecnológica das empresas, favorecida pela importação de bens de capital nos três anos de dólar sobrevalorizado.
O consumo agregado das famílias irá manter-se aquecido. As classes A e B deverão redirecionar-se para produtos nacionais, não supérfluos, somando-se à nova classe C. Isto aumentará a demanda por produtos brasileiros. Do lado da oferta, o cenário beneficiará os setores econômicos que produzem bens e serviços necessários ao consumo das famílias e do governo nos três níveis.
Preocupa a escassez de crédito, tendo em vista ser o Brasil um país que poupa pouco e necessita de recurso externo para o financiamento de investimentos produtivos. Como o setor financeiro internacional está abalado, nossa economia crescerá menos. Esse é o nosso grande gargalo no contexto da crise, que não é nossa e cujas consequências não atingiram as nossas instituições financeiras e nossas indústrias. Daí a importância do Estado na normalização do crédito para pessoas físicas e jurídicas
Está correta a política das autoridades econômicas ao tomarem medidas facilitando obtenção de crédito por parte do empresariado, por meio dos seus bancos públicos, com juros mais baixos e volumes consideráveis de recursos transferidos de nossas reservas internacionais e outros fundos. Também são corretas medidas como as novas faixas do imposto de renda, mantendo mais dinheiro no bolso dos consumidores, ampliação de prazos de recolhimento de impostos, redução do compulsório no Banco Central, desonerações tributárias, como dos carros, e a venda de dólares para forçar baixa do câmbio.
Investidores estrangeiros já retornam, neste início de janeiro, à Bovespa, o que ajudará na queda do dólar. Também nos favorece o anúncio da China de manutenção das importações de commodities, das quais somos grandes exportadores. Assim, apesar de a crise afetar a economia brasileira, não podemos afirmar que teremos um mau ano, em especial se fizermos comparação com as economias do Hemisfério Norte.
Em toda crise, há os setores que perdem, mas há também os que ganham. Os segmentos voltados ao consumo doméstico, com produtos não influenciados pela taxa de câmbio, são os beneficiados neste momento. Alguns exemplos: alimentação, vestuário e calçados, construção civil (estimulado pela disponibilização de crédito mais barato, PAC e obras da Copa do Mundo), educação superior, turismo doméstico e entretenimento. Essas atividades provocarão impacto positivo nos setores que as alimentam com insumos, bens intermediários e serviços, atenuando as perdas.
Para que isso ocorra, entretanto, é importante que o governo saiba calibrar bem suas medidas econômicas. Sobretudo, é essencial que acerte na magnitude do volume de empréstimos e financiamentos.
*Guilherme Antonio de Moura Costa é doutor em economia e professor das Faculdades Integradas Rio Branco.
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