terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Turning point


Após duas décadas de predominio neoliberal - ou pensamento único como dizem alguns - o líder da nação que é o motor do capitalismo assume a política intervencionista do Estado. E praticamente nenhum voz se levantou contra Barack Obama. Republicanos resistem menos baseados em suas agendas do que por interesses políticos, como as eleições parlamentares daqui a dois anos.
E por isso o presidente foi às ruas defender seu pacote que deve ser votado hoje, fazendo um comício em Eckart, Indiana, antes de conceder a primeira entrevista coletiva de seu governo. Eckart é uma das cidades que mais perderam emprego com a crise, e lá Obama defendeu seu pacote contra os argumentos republicanos e tentou jogar a opinião pública contra eles. Se funcionou, uma equipe de especialistas contratados pelça Casa Branca já realizou um levantamento em todo o país e já apresentou os números ao presidente.
Se você assistiu o seriado "The West Wing", o melhor programa de ficção sobre a política americana, pôde ter uma ideia de como funciona uma votação no Congresso dos EUA. A equipe da Ala Oeste da Casa Branca trabalha incessantemente sobre congressistas para convence-los a aprovar projetos enviados pelo governo, e é basicamente uma negociação, que envolve desde fotos ao lado do presidente até apoio oficial para projetos individuais desses legisladores. Cargos em estatais ou mensalões não entravam no jogo, embora se tratasse, evidentemente, de uma ficção.
wiliam Waack ontem, no Jornal da Globo, ironizou o presidente americano de utilizar métodos de seus colegas sulamericanos ao usar o povo para pressionar os republicanos a provar seu pacote. Não vejo onde isso está errado: o erro foi de Fernando Henrique ao desperdiçar sua popularidade pós-Real logo após sua primeira eleição ao não realizar as reformas políticas e institucionais que ele sabia serem necessárias. Lula também desperdiçou sua lua-de-mel com o eleitorado, ainda que também enfrentasse na época um cenário econômico altamente desfavorável.
A natureza sistemica da crise atual dão aos governos não apenas a obrigação de intervir, mas a oportunidade para reformar. Após quase tres décadas de descrédito, John Maynard Keynes volta a ser discutido, e com ele o papel do Estado enquanto fomentador e regulador da economia. É praticamente consensual que a pré-depressão que vivemos é fruto de anos de especulação financeira sem fiscalização. A chamada autorregulamentação do mercado já havia começado a cair em descrédito no escândalo Enron, mas era a ponta do iceberg. Ainda que fiscais do governo possam ser subornados, a promiscuidade entre corporações e empresas de auditorias era ainda maior. O caso já deveria ter chamado a atenção para o perigo que um mercado regulado apenas pela lógica do lucro e dos dividendos poderia representar, mas na época ninguém percebeu.
Mesmo com os problemas em nomear sua equipe - uma bobagem no frigir dos ovos - em termos dos grandes desafios de seu governo Obama tem agido como se espera. O pacote tem sofrido críticas aqui e ali, mas é o que o sistema político americano permite. O próprio presidente reconhece que ele não é perfeito, mas sua rápida aprovação é fundamental para, se não reverter já, ao menos parar a rápida deterioração da economia mundial. E se os EUA começarem a se recuperar, o mundo irá atrás.

Nenhum comentário: