Em minha vida de cinéfilo, três filmes de ficção-científica me levaram a uma epifania estético-emocional: "Star Wars", em 1977, no finado Cine Regente, em Campinas; "2001-Uma Odisséia no Espaço", em 1980, no Cine-Teatro Castro Mendes, também em Campinas; e "Blade Runner", em 1982, no Cine Ipiranga, em São Paulo.
Nem me importei tanto com a dublagem, já que conheço os diálogos de cor e salteado, e não tinha visto ainda essa versão final, lançada no ano passado para comemorar os 25 anos do filme. "Blade Runner foi o primeiro filme a ter um "Director's Cut" lançado nos cinemas (depois virou "carne de vaca"). Em 1989, um funcionário da Warner Bros encontrou nos arquivos uma cópia da obra em 70 mm e, alguns meses depois, esses rolos foram exibido num festival de filmes clássicos especificamente na banda de 70 mm. Para a surpresa de todos, era uma versão diferente da conhecida, e logo gerou uma enorme curiosidade entre os cinéfilos, que achavam ter encontrado a "versão do diretor" (que sempre reclamou da narração em off - que Harrison Ford foi obrigado a fazer a contragosto meses depois do fim das filmagens - e da seqüência final feita a partir de cenas não aproveitadas de "O Iluminado", ambas impostas pelo estúdio após as reações negativas do público nas prévias). Ridley Scott foi ver e disse que não era a sua versão, entretanto a onda sobre a cópia foi tanta que convenceu a Warner a relançar o filme em 92 – 10º aniversário da versão original - como a edição do diretor.
Essa “versão final” não difere muito da de 92, embora a atriz Joanna Cassidy tenha sido convocada para refazer sua cena de morte – que acabou saindo mal-feita na primeira versão - , se fixando mais no aperfeiçoamento dos efeitos visuais e em consertar certas incoerências do roteiro. Mas os questionamentos sobre a condição humana, sobre a busca por Deus, a degradação do meio-ambiente e até dos seres humanos por conta da poluição, clonagem de seres vivos e a inviabilidae cada vez maior das grandes metrópoles mantém o filme interessante mesmo passados um quarto de século. “Blade Runner” – junto com “Mad Max 2” – ajudou a definir o visual da década de 80, com a poluição visual dos grandes outdoors animados, fotografia escura, visual cyberpunk, as ombreiras da Rachel e - o que foi mais evidente na época – a música de Vangelis. O “Tema de Blade Runner” originou a praga do “saxofone de motel” por toda a década de 80, culminando, é claro, no chatíssimo Kenny G. Mas foram as versões apócrifas e semi-oficiais que fizeram sucesso, porque o músico grego se recusou a gravar ele mesmo uma trilha oficial até 1994, com Dick Morrissey tocando o sax na famigerada faixa.
Num futuro próximo – para nós, apenas 11 anos à frente – a Humanidade degradou tanto o planeta que partiu em busca de novos mundos para habitar. Paralelamente desenvolveu andróides biomecânicos para fazer o trabalho pesado, lutar por e satisfazer sexualmente seus senhores. A última geração desses robôs - os Nexus 6 - é tão parecida aos humanos que apenas um teste emocional chamado Voight-Kampf é capaz de identificá-los, além do fato de só viverem quatro anos. Quando eles se rebelam, são proscritos da Terra e, se apanhados, são sumariamente executados. Os policiais encarregados e perseguir e eliminar os replicantes ilegais são chamados de blade runners.
Muito desse futuro ainda é distante de nós – colonização de outros planetas, viagens espaciais que permitam isso, carros voadores – mas vários aspectos nos são familiares – a degradação ambiental do planeta, megalópoles inabitáveis, clonagem de animais e “asiatização” do mundo. Outra coisa que causou impacto na época eram os detalhes contemporâneos, como a presença de punks, hare-krishnas e publicidades de diversas marcas na época famosas (curiosamente, muitas acabaram, como a Atari e a Pan-Am).
Outros detalhes muitas vezes despercebidos são bastante reveladores. Há os famosos reflexos avermelhados nos olhos dos replicantes, o que inclui nos de Deckard-Harrison Ford numa cena deste Final Cut, em que o diretor impõe de vez sua versão de que o protagonista é um andróide. Além disso, enquanto todos os replicantes são altos, fortes e bonitos (à exceção de Léo), os humanos do filme são feios e deformados, o que não é o caso de Ford. O sonho do unicórnio – introduzida ou recuperada na versão de 1992 – já era um indício de que Deckard era um replicante e que Gaff (Edward James-Olmos) sabia.
A escalação do elenco é um caso à parte, especialmente a do protagonista Deckard, mais um exemplo da sorte de Herrison Ford em ganhar grandes papéis de presente. O personagem tinha sido pensado por Scott para seu amigo Michael Douglas, mas quando este conseguiu grana para seu projeto “Tudo por uma Esmeralda” desistiu de Deckart. A princípio, parecia que o filho de Kirk tinha se dado bem, já que a cópia descarada de “Caçadores da Arca Perdida” foi um sucesso de bilheteria e “Blade Runner” não. No entanto, hoje em dia ninguém mais tem vontade de ver as peripécias dele, Kathleen Turner e Danny de Vito numa América do Sul de araque, enquanto o sci-fi estrelado por Ford é relançado no mínimo uma vez por década. O próprio Harrison Ford achou que tinha embarcado numa furada, pois já era uma estrela importante, com dois Star Wars e “Os Caçadores da Arca Perdida” no currículo. Passou todo o tempo brigando com o diretor e ficou furioso quando foi convocado para fazer a narração em off meses depois do fim das filmagens. Toda essa zanga e frustração é passada na sua atuação, que acabou ficando perfeita no contexto da obra. Sua opinião sobre o trabalho foi mudando à medida que o filme foi virando cult.. Quem não se cansa de elogiar “Blade Runner” é Rutger Hauer: afinal é o filme que lhe abriu as portas em Hollywood e definiu a persona cinematográfica que assumiria a partir daí. Era o favorito de Anne Rice para ser seu vampiro Lestat no cinema, e a versão para a telona de 94 teria sido outro com ele no lugar de Tom Cruise. Não consigo nem imaginar quantas vezes os nerds nas convenções de sci-fi devem ter pedido para ele recitar sua fala final:
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